segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

A Política Jurídica e Kelsen
13/12/2010 às 00:00:00 - Atualizado em 12/12/2010 às 22:44:19

Geraldo Doni Júnior


Como já se disse, filosofar é procurar o sentido das coisas.
Porque existe o Direito?
Para que existe o Direito?
Qual o sentido da história do Direito?
Que é Direito?
Em que se funda ou se legitima o Direito?

A busca incessante gera os conceitos que serão aplicados pelo cientista e pelo político do direito. Afinal, só se lida com as normas dominando os conceitos.

Assim sendo, o tema exige uma comparação entre a política do direito e o pensamento Kelseniano, justificando a priori a busca de um conceito ou, pelo menos, uma tentativa, que de certa forma possa demonstrar a diferença e ao mesmo tempo comparar o pensamento de Kelsen com relação à Política Jurídica.

Kelsen, trata da ciência do direito e não da Política do Direito. Seu estudo In "Teoria Pura do Direito" visa o direito que é e não o direito que deve ser.

Kelsen ao escrever "A Teoria Pura do Direito", mirou um estudo exclusivo, voltado à criação de um método científico para o conhecimento jurídico(1). Nesta obra, Kelsen discute e propõe os princípios e métodos da teoria jurídica.

Busca Kelsen colocar o direito dentro de um estudo próprio, sem a miscelânea proposta à época por alguns juristas, mais especificamente do século XIX cujos debates metodológicos poderiam por em cheque a autonomia da ciência jurídica. Tanto que para alguns era fundamental a junção com outras ciências humanas e para outros a liberação da ciência jurídica deveria desembocar em critérios de livre valoração, não faltando os que recomendavam uma volta aos parâmetros do direito natural, como bem cita Tércio Sampaio Ferraz(2).

O princípio da pureza visa unicamente a norma. Dessa forma o direito para o operador deve ser encarado unicamente como norma e não como fato social, porque ele é o direito que é e não o direito que deve ser. Tanto que Kelsen foi acusado de reducionista, esquecendo das dimensões sociais e valorativas, de fazer do fenômeno jurídico uma mera forma normativa, despida de seus caracteres humanos, segundo Sampaio Ferraz(3).

Sua idéia era a de que uma ciência que se ocupasse com tudo poderia se perder em ilações estéreis. Assim sendo, seu pensamento, defendia a neutralidade científica aplicada à ciência jurídica. Defendia também a tripartição entre o jurídico, o moral e o político.

A noção de norma para Kelsen tem como premissa a distinção entre as categorias do ser e do dever ser, como bem cita Sampaio Ferraz(4) , que ele vai buscar no neokantismo de sua época. A consciência humana, diz ele, ou vê as coisas como elas são (a mesa é redonda) ou como elas devem ser (a mesa deve ser redonda). Normas, nesses termos, são prescrições do dever ser. Elas conferem ao comportamento humano um sentido prescritivo. Assim, levantar o braço numa assembléia pode Ter um sentido descritivo (fulano levantou o braço) ou um sentido prescritivo (levantar o braço deve ser entendido como voto a favor de uma proposta).

Enquanto prescrição, a norma é um comando, é o produto de um ato de vontade, que proíbe, obriga ou permite um comportamento...

Normas valem. Sua existência específica é a sua validade.

Neste passo, Kelsen torna a ciência jurídica pura de normas. Porque, entende ele, que cada norma vale não porque seja justa, mas porque estará sempre interligada a uma norma superior que culmina numa norma fundamental.

Disse Kelsen:

"Desde o começo foi meu intento elevar a jurisprudência, que - aberta ou veladamente - se esgotava quase por completo em raciocínios de política jurídica, à altura de uma genuína ciência, de uma ciência do espírito. Importava explicar, não as suas tendências endereçadas à formação do Direito, mas as suas tendências exclusivamente dirigidas ao conhecimento do Direito, e aproximar tanto quanto possível os seus resultados do ideal de toda a ciência: objetividade e exatidão". (Contracapa do livro "Teoria Pura do Direito")

POLÍTICA DO DIREITO
Já ao tratarmos da política do direito, temos uma visão mais abrangente de todo o universo jurídico, posto que seu objeto seja, através de uma série de atividades, elaborar um conjunto de estratégias na busca dos fins do direito (justiça, paz social, seguridade social etc). Enfim, buscando por meio de mudanças um direito melhor. Ou, melhor ainda:

"Política Jurídica é a disciplina que tem como objeto o Direito que deve ser e como deva ser, em oposição funcional à Dogmática Jurídica, que trata da interpretação e da aplicação do Direito que é, ou seja, do Direito vigente. 2. Diz-se do "com junto" de estratégias que visam a produção de conteúdo da norma, e sua adequação aos valores Justiça e Utilidade Social ou ainda... 3. Complexo de medidas que têm como objetivo a correção, derrogação ou proposição de normas jurídicas ou de mudanças de rumo na Jurisprudência dos Tribunais, tendo como referente a realização dos valores jurídicos..."(5)

A Política Jurídica deve corresponder aos valores do direito, quais sejam: uma melhor adequação aos princípios do direito, melhor dizendo, adequação das normas aos princípios gerais do direito.

Conforme anotações de aula proferida pelo ilustre professor Dr. Orlando Ferreira de Melo e neste sentido, só se muda o direito com atitude utópica. A utopia funciona para o Devir(6) - a mudança para o direito que deve ser - e quando se estuda a mudança, tratamos de política do direito, a busca do "EUSTOPO", que em grego significa lugar melhor - utopia.

A Política jurídica ao contrário da visão Kelseniana, parte de um postulado básico, e o pensamento do Professor Dr. Orlando Ferreira Melo(7), com o qual me coaduno é:

"... a norma jurídica, para ganhar um mínimo de adesão social que a faça voluntariamente obedecida, deve ser matizada pela idéia e sentimento do ético, do legítimo, do justo e do útil. Assim, a aceitação da norma irá depender menos de sua validade formal, que são meras observâncias técnicas, que da sua validade material, a qual, em nosso acordo semântico, é a qualidade da norma em mostrar-se compatível com o socialmente desejado e basicamente necessário à eticidade das relações humanas".

Vemos então, que o papel do político do direito, não pode apenas se restringir a uma representação corretiva da norma, mas sim, diferentemente do que pensa Kelsen e antes de tudo, prescritivo, trabalhando com a expectativa do futuro, tal qual um analista, que revisando o que está posto, busca novas idéias para aprimorá-lo de acordo com a visão que deve ter com relação à evolução social, sempre buscando aperfeiçoar o direito e as suas relações.

Entende, ainda, este ilustre mestre que à política de direito caberia, antes de tudo, intercomunicar os elementos que a constituem, compreendendo-se os âmbitos da Política e do Direito como espaços de permanentes e desejáveis influências recíprocas.

O Direito necessita da Política para continuamente renovar-se e a Política necessita do Direito para objetivar, em realidade, as reivindicações sociais legítimas, ou seja, propor um sistema de categorias, conceitos, princípios e normas capazes de assegurar não só as relações econômicas, mais justas, mas também o alcance de um ambiente social realmente ético e estimulador das práticas solidárias(8).

Notas:
(1) COELHO, Fábio Ulhoa, Para Entender Kelsen. 3.ª ed. Max Limonad, p.10.
(2) In Prólogo de Para Entender Kelsen, ob. citada, p.15
(3) Ob. citada
(4) Ob. Citada, p. 16
(5) MELO, Osvaldo Ferreira, Dicionário de Política Jurídica. Ob. citada, p. 77
(6) Aqui colocado na categoria de mudança ou deslocamento do que é e como está para alcance de um objetivo. Conforme o Prof. Dr. Orlando Ferreira Melo, In Dicionário de Política Jurídica, OAB/SC editora, p.30. Aplica-se, pois, tal significante ao significado teleológico da Política Jurídica, na mudança do direito que é para o direito que deve ser.
(7) MELO, Orlando Ferreira, Temas Atuais da Política do Direito, Sergio A.Fabris ed. p. 15.
(8) Ob. Cit. P. 14.

Geraldo Doni Júnior é mestre em Direito para gestão de empresas públicas e privadas, professor de direito civil, advogado.

Postado no site http://www.paranaonline.com.br/
A fotografia digital como prova no processo. Aspectos tecnológicos


Juliana C. B. A. de Araújo

O campo desse estudo se localiza no momento processual em que os registros das fotos obtidas da câmera digital e gravadas no seu cartão de memória, uma vez levados ao processo como prova, são impugnados em sua autenticidade, pela parte contra quem foram produzidos, de forma a demandar uma investigação de possíveis adulterações por meio de um exame pericial.

A idoneidade ou falsidade da fotografia digital podem perfeitamente ser atestadas por um exame pericial, visto que existem tecnologias capazes de garantir a integridade da imagem digital e de aferir adulterações nela porventura realizadas.

Existem duas técnicas computacionais que garantem a autenticidade desses arquivos, já bastante conhecidas e difundidas. São elas:

- "Formato RAW": é um sistema binário de armazenamento que existe em certas câmeras digitais, que atestam que a fotografia está "sem processamento", "sem tratamento" ou "cru", ou seja, garante a autenticidade do arquivo de imagem, pois impede que qualquer manipulação seja salva no mesmo arquivo, sendo necessário, para salvar as alterações realizadas, a conversão para outro formato.

- "HASH": é um método resultante da aplicação de um algoritmo unidirecional que varre todos os pixels de uma imagem e converte parte de um arquivo digital em um valor de comprimento fixo irreversível (uma assinatura digital).

Quanto às técnicas computacionais e matemáticas capazes de detectar alterações em imagens digitais, a abordagem para a criação dessas ferramentas começa com a compreensão acerca de quais propriedades geométricas ou estatísticas de uma imagem são modificadas por um tipo particular de adulteração. Em seguida é desenvolvido um algoritmo matemático para descobrir essas irregularidades, capazes de detectar, portanto, quando uma imagem contém uma área "clonada", ou não possui as propriedades matemáticas de uma foto digital original. As técnicas são as seguintes:

- "Reamostra de Imagens": numa falsificação criada pela emenda de imagens sobrepostas em um fundo escolhido, para uma versão convincente, é necessário redimensionar, girar ou esticar as imagens originais (ou porções delas), o que requer fazer outra amostra das imagens. Esta reamostragem introduz específicas correlações entre os pixels das imagens vizinhas, que são quantificadas e detectadas através do algoritmo da maximização da expectativa EM (expectation maximization).

- "Filtro de Cor Array Manipulado/Imagens Interpoladas": a maioria das câmeras digitais vem equipadas com um sensor CCD (charge-coupled device) que captura imagens em cor utilizando uma matriz de filtros de cor Array. Em cada local de um pixel, somente uma amostra de cor (de três) é capturada. A interpolação é uma técnica de aumento artificial da nitidez da imagem, como, por exemplo, quando uma imagem melhora ao se inserir um DVD em uma televisão de alta resolução. Se a imagem adulterada for interpolada, as cores faltantes da amostra são deduzidas dos valores vizinhos, estabelecendo-se correlações específicas, que são detectadas pelo algoritmo da maximização da expectativa EM.

- "Dupla Compressão JPED": quando há uma falsificação de uma imagem, um comportamento típico é o de gravar a imagem em um software de edição de fotos, fazer algum procedimento e regravar a imagem adulterada. Se o formato JPED foi o utilizado para armazenar as imagens, resulta violada a compressão da imagem. O formato JPED se utiliza o sistema lossy compression, uma técnica de compressão que resulta em perda de dados decorrente da eliminação de alguns pixels, mantendo uma boa nitidez com uma grande compressão. A dupla compressão JPEG introduz correlações específicas entre os coeficientes de transformação discreta do coseno (discrete cosine transform -DCT) de blocos de imagens, que podem ser detectadas e quantificadas por um algoritmo.

- "Regiões de Imagens Duplicadas": uma manipulação comumente utilizada para remover uma pessoa ou um objeto não desejado de uma imagem é o ato de copiar e de colar porções da mesma imagem sobre a região desejada. O algoritmo emprega um componente de análise principal (PCA) para detectar eficientemente a presença de regiões duplicadas até mesmo em imagens ruidosas (impuras ou inconsistentes) ou com perda de compressão.

- "Padrões de Ruídos Inconsistentes": as imagens digitais contêm uma quantidade inerente de ruídos que são uniformemente distribuídos por toda a imagem. O ruído é representado por aqueles pontos pretos da imagem quando se tira uma foto em um ambiente desfavorável, com pouca luminosidade. Ao criar falsificações digitais, é comum adicionar pequenas porções de ruídos nas regiões adulteradas para ocultar vestígios de falsificação, tornando inconsistente o local dos níveis de ruído adicionados na imagem, o que é detectado pelo algoritmo.

As técnicas exploram propriedades complexas e sutis da iluminação e geometria do processo de formação da imagem, que são difíceis de serem corrigidas usando um programa padrão de edição de fotos, comumente utilizados para a falsificação das imagens, comprovando a sensibilidade e a robustez dos algoritmos. Esses softwares são aplicáveis a qualquer arquivo de computador e se traduzem em processos simples que permitem a aferição de mínima variação de tonalidade na imagem periciada.

Entretanto, deve ser ressaltado que o campo de perícia de imagens continuará a dificultar, contudo, nunca a impossibilitar a criação de falsificações indetectáveis, exigindo certa prudência no recurso à fotografia digital como meio de prova no processo.

Juliana Cristina Busnardo Augusto de Araújo é Servidora Pública Federal do TRT da 9.ª Região. Mestranda em Direito Empresarial e Cidadania pelo Unicuritiba. Especialista em Direito Empresarial pelo IBEJ. Integrante do Grupo de Pesquisa Científica do Unicuritiba "Tutela dos Direitos da Personalidade na Atividade Empresarial: os Efeitos Limitadores da Prova Judiciária", sob responsabilidade Prof. Dr. Luiz Eduardo Gunther.

Postado na coluna Direito e Justiça - http://www.paranaonline.com.br/