segunda-feira, 26 de março de 2012

O Estatuto da Cidade comentado


(Lei Nº 10. 257 de 10 de julho de 2001)


Ana Maria Furbino Bretas Barros


Celso Santos Carvalho


Daniel Todtmann Montandon

Capítulo I - Diretrizes Gerais

Art. 1º Na execução da política urbana, de que tratam os arts. 182 e 183 da


Constituição Federal, será aplicado o previsto nesta Lei.

Parágrafo único. Para todos os efeitos, esta Lei, denominada Estatuto da Cidade,


estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da


propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos


cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental.

O Estatuto da Cidade é a lei federal brasileira que regulamenta os artigos 182 e

183 da Constituição Federal de 1988.

O artigo 182 dispõe que a política urbana é responsabilidade do Município e deve

garantir as funções sociais da cidade e o desenvolvimento dos cidadãos. Estabelece,

ainda, que o Plano Diretor Municipal é o instrumento básico do ordenamento territorial

urbano, devendo definir qual deve ser o uso e as características de ocupação de

cada porção do território municipal, fazendo com que todos os imóveis cumpram

sua função social.

Esse mesmo artigo, em seu parágrafo 4º, dispõe ainda sobre importantes

instrumentos para concretização da função social da propriedade: parcelamento e

edificação compulsórios; imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana

progressivo no tempo e desapropriação sanção, assuntos que serão apresentados

em tópicos específicos neste trabalho.

Já o artigo 183 da Constituição Federal trata da aquisição da propriedade pelo

ocupante de imóvel urbano que o utiliza para sua moradia ou de sua família. Com

este dispositivo se garante o direito de propriedade àquele que, de fato, dá a ela uma

destinação compatível com sua vocação legal.


Art. 2º A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções

sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais:

garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, I. , à

moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços

públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações;

II. gestão democrática por meio da participação da população e de associações

representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e

acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano;

III. cooperação entre os governos, a iniciativa privada e os demais setores da sociedade no

processo de urbanização, em atendimento ao interesse social;

IV. planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da população

e das atividades econômicas do Município e do território sob sua área de influência, de

modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos

sobre o meio ambiente;

V. oferta de equipamentos urbanos e comunitários, transporte e serviços públicos

adequados aos interesses e necessidades da população e às características locais;

VI. ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar:

a. a utilização inadequada dos imóveis urbanos;

b. a proximidade de usos incompatíveis ou inconvenientes;

c. o parcelamento do solo, a edificação ou o uso excessivos ou inadequados em

relação à infraestrutura urbana;

d. a instalação de empreendimentos ou atividades que possam funcionar como

polos geradores de tráfego, sem a previsão da infraestrutura correspondente;

e. a retenção especulativa de imóvel urbano, que resulte na sua subutilização ou

não utilização;

f. a deterioração das áreas urbanizadas;

g. a poluição e a degradação ambiental;

VII. integração e complementaridade entre as atividades urbanas e rurais, tendo em vista o

desenvolvimento socioeconômico do Município e do território sob sua área de influência;

VIII. adoção de padrões de produção e consumo de bens e serviços e de expansão urbana

compatíveis com os limites da sustentabilidade ambiental, social e econômica do

Município e do território sob sua área de influência;

IX. justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização;

X. adequação dos instrumentos de política econômica, tributária e financeira e dos gastos

públicos aos objetivos do desenvolvimento urbano, de modo a privilegiar os investimentos

geradores de bem-estar geral e a fruição dos bens pelos diferentes segmentos sociais;

XI. recuperação dos investimentos do Poder Público de que tenha resultado a valorização de

imóveis urbanos;


proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, do patrimôniXII. o

cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico;

XIII. audiência do Poder Público municipal e da população interessada nos processos de implantação

de empreendimentos ou atividades com efeitos potencialmente negativos sobre o meio ambiente

natural ou construído, o conforto ou a segurança da população;

XIV. regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda mediante

o estabelecimento de normas especiais de urbanização, uso e ocupação do solo e edificação,

consideradas a situação socioeconômica da população e as normas ambientais;

XV. simplificação da legislação de parcelamento, uso e ocupação do solo e das normas edilícias, com

vistas a permitir a redução dos custos e o aumento da oferta dos lotes e unidades habitacionais;

XVI. isonomia de condições para os agentes públicos e privados na promoção de empreendimentos e

atividades relativos ao processo de urbanização, atendido o interesse social.

O 2º artigo do Estatuto da Cidade define as diretrizes que devem ser seguidas pelo

Município ao elaborar sua política urbana, todas elas voltadas para garantir cidades justas,

em que todos, pobres e ricos, desfrutem dos benefícios da urbanização.

Art. 3º Compete à União, entre outras atribuições de interesse da política urbana:

I. legislar sobre normas gerais de direito urbanístico;

II. legislar sobre normas para a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os

Municípios em relação à política urbana, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do

bem-estar em âmbito nacional;

III. promover, por iniciativa própria e em conjunto com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios,

programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento

básico;

IV. instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e

transportes urbanos;

V. elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento

econômico e social.

A República Federativa do Brasil é formada por quatro entes federados, que não mantêm

relação de subordinação entre si. Os Municípios, ente local, mais próximo do cidadão; os

Estados, que congregam vários municípios; o Distrito Federal, sede administrativa do País; e a

União, que congrega os estados e o distrito federal.

Cada um destes entes elabora suas próprias leis, executa suas políticas públicas, institui

e arrecada tributos, seguindo a distribuição de competências feita pela Constituição Federal.

Para alguns temas e políticas, a Constituição obriga a cooperação entre eles.


No caso do Direito Urbanístico, a competência legislativa é concorrente, ou seja, exige a

cooperação entre os entes federados. A política urbana deve ser desenvolvida pelos Municípios,

conforme atribuição da Constituição Federal, cabendo aos Estados legislarem sobre a criação

e regulamentação de regiões metropolitanas e à União, a instituição das normas gerais para o

desenvolvimento urbano.

Exercendo sua competência em matéria de Direito Urbanístico, a União promulgou o Estatuto da

Cidade. Esta lei, portanto, traz normas gerais, que devem ser observadas por todos os Municípios na

ordenação de seu território e na elaboração e execução da política de desenvolvimento urbano.

Capítulo II. dos instrumentos da política urbana

Seção I. Dos instrumentos em geral

Art. 4º Para os fins desta Lei, serão utilizados, entre outros instrumentos:

I – planos nacionais, regionais e estaduais de ordenação do território e de desenvolvimento

econômico e social;

II – planejamento das regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões;

III – planejamento municipal, em especial:

a) plano diretor;

b) disciplina do parcelamento, do uso e da ocupação do solo;

c) zoneamento ambiental;

d) plano plurianual;

e) diretrizes orçamentárias e orçamento anual;

f) gestão orçamentária participativa;

g) planos, programas e projetos setoriais;

h) planos de desenvolvimento econômico e social;

IV – institutos tributários e financeiros:

a) imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana - IPTU;

b) contribuição de melhoria;

c) incentivos e benefícios fiscais e financeiros;

V – institutos jurídicos e políticos:

a) desapropriação;

b) servidão administrativa;

c) limitações administrativas;

d) tombamento de imóveis ou de mobiliário urbano;

e) instituição de unidades de conservação;

f) instituição de zonas especiais de interesse social;

g) concessão de direito real de uso;

h) concessão de uso especial para fins de moradia;

i) parcelamento, edificação ou utilização compulsórios;

j) usucapião especial de imóvel urbano;

l) direito de superfície94 ;

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m) direito de preempção;

n) outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso;

o) transferência do direito de construir;

p) operações urbanas consorciadas;

q) regularização fundiária;

r) assistência técnica e jurídica gratuita para as comunidades e grupos sociais menos favorecidos;

s) referendo popular e plebiscito;

t) demarcação urbanística para fins de regularização fundiária (Incluído pela Lei nº 11.977, de 2009);

u) legitimação de posse (Incluído pela Lei nº 11.977, de 2009).

VI – estudo prévio de impacto ambiental (EIA) e estudo prévio de impacto de vizinhança (EIV).

§ 1º Os instrumentos mencionados neste artigo regem-se pela legislação que lhes é própria,

observado o disposto nesta Lei.

§ 2º Nos casos de programas e projetos habitacionais de interesse social, desenvolvidos por

órgãos ou entidades da Administração Pública com atuação específica nessa área, a concessão

de direito real de uso de imóveis públicos poderá ser contratada coletivamente.

§ 3º Os instrumentos previstos neste artigo que demandam dispêndio de recursos por parte

do Poder Público municipal devem ser objeto de controle social, garantida a participação de

comunidades, movimentos e entidades da sociedade civil.

No artigo 4º, o Estatuto da Cidade define um extenso conjunto de instrumentos para que o Município

tenha condições de construir uma política urbana que concretize, de fato, a função social da propriedade

urbana e o direito de todos à cidade.

Estabelece que a política urbana deve ser objeto de um planejamento extensivo, envolvendo planos de

ordenamento do território integrados entre si, nas escalas nacional, estaduais, regionais, metropolitanas,

municipais e intermunicipais. Especificamente no âmbito municipal, detalha que o planejamento

municipal deve envolver o planejamento urbano, ambiental, orçamentário, setorial e o planejamento do

desenvolvimento econômico e social, especificando também que a gestão orçamentária deve ser feita de

forma participativa, aberta a todos os cidadãos.

Inclui os instrumentos tributários, envolvendo impostos, contribuições, incentivos e benefícios fiscais

e financeiros, voltados para viabilizar a indução dos usos e atividades consideradas importantes para a

política urbana.

No inciso sobre os institutos jurídicos e políticos, fornece ao Município instrumentos que permitem:

– variadas formas de intervenção social sobre o livre uso da propriedade privada: desapropriação,

servidão e limitações administrativas, tombamento, instituição de unidades de conservação,

parcelamento, edificação ou utilização compulsórios e direito de preempção;

– a regularização fundiária das ocupações de interesse social: concessão de direito real de uso,

concessão de uso especial para fins de moradia, usucapião especial de imóvel urbano, direito de

superfície, demarcação urbanística para fins de regularização fundiária e legitimação da posse;


– a indução do desenvolvimento urbano e a redistribuição à coletividade dos benefícios decorrentes do

processo de urbanização: outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso, transferência

do direito de construir e operações urbanas consorciadas;

– instrumentos voltados para a democratização da gestão urbana e do direito à moradia: referendo

popular e plebiscito, assistência técnica e jurídica gratuita para as comunidades e grupos sociais

menos favorecidos.

Cabe ressaltar, pela importância para o desenvolvimento de uma política habitacional de inclusão social,

o instituto das Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS). Este instrumento pode ser utilizado tanto para a

regularização de áreas ocupadas, onde o processo de ocupação ocorreu sem observância das normas urbanísticas,

quanto em áreas vazias, para destiná-las para habitação de interesse social.

No primeiro caso, a instituição de uma área ocupada como ZEIS permite que se estabeleçam, para aquela

porção do território, parâmetros urbanísticos especiais que respeitam a forma de ocupação realizada pela

comunidade. Assim, pode-se admitir, por exemplo, sistemas viários compostos por vias mais estreitas, que

melhor se adaptem a ocupações em áreas de elevada declividade ou mesmo consolidar ocupações em áreas

de preservação ambiental, diminuindo a necessidade de remoção de moradias no processo de regularização

fundiária. O instituto permite também que sejam implantados mecanismos que impeçam a posterior expulsão

dos moradores dos núcleos regularizados por segmentos sociais de maior poder econômico, atraídos pela

valorização desses terrenos. Exemplos de mecanismos deste tipo são a proibição de remembramento de lotes

(evitando que alguém adquira vários lotes regularizados, transforme-os todos em um único lote maior e faça

nova edificação nesta nova condição) e a fixação do tipo de uso do solo admissível (por exemplo, admitindo

apenas residências unifamiliares).

Quando aplicadas a imóveis vazios ou ociosos, as ZEIS permitem ao Poder Público reservar áreas dotadas de

infraestrutura, serviços e equipamentos urbanos para habitação de interesse social, constituindo-se em importante

instrumento para evitar a expulsão dos pobres para as periferias longínquas dos centros urbanos.

Cabe destacar que o Estatuto da Cidade não estabelece uma correlação direta entre

transformações urbanas e instrumentos. Cada município escolhe, regulamenta e aplica os

instrumentos conforme a estratégia de desenvolvimento urbano desejada. Diversos instrumentos

do Estatuto da Cidade não apresentam por si só a solução para um determinado problema urbano,

ou de modo contrário, uma determinada transformação urbana pretendida depende da aplicação

de um conjunto de instrumentos de maneira coordenada e integrada no território. Assim sendo,

a regulamentação dos instrumentos deve ser feita dentro de uma estratégia de desenvolvimento

urbano para sua efetiva aplicação e deve estar expressa no Plano Diretor96 .


Seção II. Do parcelamento, edificação ou utilização compulsórios

Art. 5º Lei municipal específica para área incluída no plano diretor poderá determinar o parcelamento,

a edificação ou a utilização compulsórios do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado,

devendo fixar as condições e os prazos para implementação da referida obrigação.

§ 1º Considera-se subutilizado o imóvel:

I – cujo aproveitamento seja inferior ao mínimo definido no plano diretor ou em legislação dele

decorrente;

II – (VETADO)

§ 2º O proprietário será notificado pelo Poder Executivo municipal para o cumprimento da obrigação,

devendo a notificação ser averbada no cartório de registro de imóveis.

§ 3º A notificação far-se-á:

I – por funcionário do órgão competente do Poder Público municipal, ao proprietário do imóvel ou, no

caso de este ser pessoa jurídica, a quem tenha poderes de gerência geral ou administração;

II – por edital quando frustrada, por três vezes, a tentativa de notificação na forma prevista pelo inciso I.

§ 4º Os prazos a que se refere o caput não poderão ser inferiores a:

I - um ano, a partir da notificação, para que seja protocolado o projeto no órgão municipal competente;

II - dois anos, a partir da aprovação do projeto, para iniciar as obras do empreendimento.

§ 5º Em empreendimentos de grande porte, em caráter excepcional, a lei municipal específica a que

se refere o caput poderá prever a conclusão em etapas, assegurando-se que o projeto aprovado

compreenda o empreendimento como um todo.

Art. 6º A transmissão do imóvel, por ato inter vivos ou causa mortis, posterior à data da

notificação, transfere as obrigações de parcelamento, edificação ou utilização previstas

no art. 5º desta Lei, sem interrupção de quaisquer prazos.

A manutenção de terrenos vazios ou ociosos, inseridos na área urbanizada, à espera de uma

valorização futura que beneficia apenas seus proprietários, diminui os espaços disponíveis na

cidade para a moradia e as atividades econômicas necessárias para o desenvolvimento de toda

a sociedade, especialmente para os grupos economicamente vulneráveis.

Para evitar a formação desses vazios, coibir a especulação imobiliária e, consequentemente,

ampliar o acesso a áreas urbanizadas, o Estatuto da Cidade regulamentou o parcelamento,

edificação ou utilização compulsórios, que obriga o proprietário a dar uma destinação ao seu

terreno subutilizado, concretizando o preceito constitucional da função social da propriedade.

Cabe aos Municípios editar normas para aplicação desse instrumento em seu território, sem

as quais ele não tem eficácia. O Poder Público local deve especificar, em seu Plano Diretor, as

áreas onde ele será utilizado e promulgar lei específica disciplinando sua aplicação.

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É importante destacar que os instrumentos voltados para obrigar a utilização do imóvel por

seu proprietário, como o parcelamento, edificação e utilização compulsórios, IPTU progressivo

e desapropriação com pagamento em títulos da dívida pública, podem ser combinados com

a instituição de ZEIS. Por meio da conjugação desses instrumentos, o Poder Público induz a

destinação de terra urbanizada ociosa para habitação de interesse social.

O parcelamento, edificação ou utilização compulsórios aplicam-se aos imóveis não

edificados, compostos apenas pela terra nua; não utilizados, que são os abandonados e não

habitados; e subutilizados, que são os imóveis cujo aproveitamento seja inferior ao mínimo

definido em lei. Uma vez instituído para determinado imóvel, o proprietário fica obrigado a darlhe

uma utilização efetiva e adequada num determinado prazo. Se este imóvel for vendido, o

novo proprietário passa a ser responsável por esta obrigação.

Seção III. Do IPTU progressivo no tempo

Art. 7º Em caso de descumprimento das condições e dos prazos previstos na

forma do caput do art. 5º desta Lei, ou não sendo cumpridas as etapas previstas

no § 5º do art. 5º desta Lei, o Município procederá à aplicação do imposto sobre a

propriedade predial e territorial urbana (IPTU) progressivo no tempo, mediante a

majoração da alíquota pelo prazo de cinco anos consecutivos.

§ 1º O valor da alíquota a ser aplicado a cada ano será fixado na lei específica a que

se refere o caput do art. 5º desta Lei e não excederá a duas vezes o valor referente

ao ano anterior, respeitada a alíquota máxima de quinze por cento.

§ 2º Caso a obrigação de parcelar, edificar ou utilizar não esteja atendida em cinco

anos, o Município manterá a cobrança pela alíquota máxima, até que se cumpra a

referida obrigação, garantida a prerrogativa prevista no art. 8º.

§ 3º É vedada a concessão de isenções ou de anistia relativas à tributação

progressiva de que trata este artigo.

Para compelir o proprietário a cumprir a obrigação estabelecida, seja ela parcelamento, edificação

ou utilização compulsórios, o Estatuto da Cidade fornece ao Município o IPTU progressivo.

O IPTU é um imposto devido pelos proprietários ou possuidores de imóveis urbanos, sendo

calculado como uma porcentagem do valor de mercado do imóvel. O Estatuto da Cidade permite

que o Município aumente progressivamente, ao longo dos anos, a alíquota do IPTU para aqueles

imóveis cujos proprietários não obedecerem aos prazos fixados para o parcelamento, edificação ou

utilização compulsórios. É uma maneira de penalizar a retenção do imóvel para fins de especulação

da valorização imobiliária, fazendo com que essa espera, sem nenhum benefício para a cidade, se

torne inviável economicamente. Neste caso, o IPTU progressivo é empregado mais pelo caráter

de sanção do que de arrecadação.

Para garantir a eficácia do instrumento, o Estatuto da Cidade vedou a

concessão de isenções ou anistias.


Seção IV. Da desapropriação com pagamento em títulos

Art. 8º Decorridos cinco anos de cobrança do IPTU progressivo sem que o proprietário tenha

cumprido a obrigação de parcelamento, edificação ou utilização, o Município poderá proceder à

desapropriação do imóvel, com pagamento em títulos da dívida pública.

§ 1º Os títulos da dívida pública terão prévia aprovação pelo Senado Federal e serão resgatados

no prazo de até dez anos, em prestações anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da

indenização e os juros legais de seis por cento ao ano.

§ 2º O valor real da indenização:

I – refletirá o valor da base de cálculo do IPTU, descontado o montante incorporado em função de

obras realizadas pelo Poder Público na área onde o mesmo se localiza após a notificação de que trata

o § 2º do art. 5º desta Lei;

II – não computará expectativas de ganhos, lucros cessantes e juros compensatórios.

§ 3º Os títulos de que trata este artigo não terão poder liberatório para pagamento de tributos.

§ 4º O Município procederá ao adequado aproveitamento do imóvel no prazo máximo de cinco anos,

contado a partir da sua incorporação ao patrimônio público.

§ 5º O aproveitamento do imóvel poderá ser efetivado diretamente pelo Poder Público ou por meio de

alienação ou concessão a terceiros, observando-se, nesses casos, o devido procedimento licitatório.

§ 6º Ficam mantidas para o adquirente de imóvel nos termos do § 5º as mesmas obrigações de

parcelamento, edificação ou utilização previstas no art. 5º desta Lei.

A propriedade, como qualquer direito fundamental, pode ser limitada e até mesmo objeto de

uma intervenção supressiva. A Constituição Federal, conferindo ao Estado o poder de retirar um

bem de seu proprietário, possibilita a desapropriação em razão de utilidade e interesse público ou

por interesse social, mas exige a justa e prévia indenização em dinheiro.

Como exceções a essa regra geral, a Constituição Federal prevê outras duas modalidades

de desapropriação, intrinsecamente relacionadas à função social da propriedade: a

desapropriação para fins de reforma urbana e a desapropriação para fins de reforma agrária,

ambas com caráter de sanção.

O Estatuto da Cidade regula a desapropriação para fins urbanos. Por meio dessa modalidade,

o Poder Público Municipal pune o proprietário que não deu a seu imóvel a função social

estabelecida no Plano Diretor. Diferentemente das desapropriações por utilidade e interesse

público e interesse social, na desapropriação para fins de reforma urbana o pagamento é realizado

por meio de títulos da dívida pública, resgatáveis num prazo de dez anos.

Outra relevante diferença, ligada também ao caráter de sanção dessa modalidade de

desapropriação, é o valor da indenização. Esse valor, em regra, corresponde ao valor de mercado.

Na desapropriação para fins urbanos, fala-se em valor real, que corresponde à base de cálculo

para o IPTU, descontado o montante decorrente dos investimentos públicos na área do imóvel.

Essa forma de cálculo concretiza a diretriz sobre a justa distribuição dos benefícios da urbanização,

expressa no artigo 2º do Estatuto da Cidade. Além disso, para o cálculo do valor real não podem

ser computadas as expectativas de ganho, lucros cessantes e juros compensatórios.

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A desapropriação para fins de reforma urbana só pode ser realizada se o proprietário, compelido a dar adequada

utilização ao imóvel, não o fez após os cinco anos de aplicação do IPTU progressivo no tempo. A desapropriação

pressupõe, portanto, uma sequência de ações: primeiro, o Poder Público Municipal, nos termos da lei municipal, notifica

o proprietário para parcelar, edificar ou utilizar o imóvel; decorrido o prazo estipulado na notificação e seguindo os

procedimentos legais, sem que o proprietário cumpra com a determinação, o Município pode aumentar anualmente a

alíquota do IPTU, por um prazo de cinco anos, na forma do art. 7º do Estatuto da Cidade e da lei municipal; somente

após a aplicação desses instrumentos, o Município pode valer-se da desapropriação para fins de reforma urbana.

A vinculação da desapropriação sanção, regulada pelo Estatuto da Cidade, à função social da propriedade

obriga também o Poder Público a dar destinação adequada ao imóvel após a desapropriação. Se isto não for

feito, o Prefeito e os demais agentes públicos envolvidos incorrem em improbidade administrativa, conforme

o artigo 52, II do Estatuto da Cidade. Improbidade administrativa significa ato contrário ao dever do agente

público de atuar com honestidade e decência. Um ato de improbidade administrativa não é um crime em sua

acepção legal, mas quem incorre em improbidade está sujeito a sanções que podem ocasionar a suspensão

dos direitos políticos, perda da função pública, indisponibilidade de bens e ressarcimento ao erário1.

Seção V. Da usucapião especial de imóvel urbano

Art. 9º Aquele que possuir como sua área ou edificação urbana de até duzentos e cinquenta metros

quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua

família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

§ 1º O título de domínio será conferido ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do

estado civil.

§ 2º O direito de que trata este artigo não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.

§ 3º Para os efeitos deste artigo, o herdeiro legítimo continua, de pleno direito, a posse de seu

antecessor, desde que já resida no imóvel por ocasião da abertura da sucessão.

1. A improbidade administrativa é tratada pela Constituição Federal, artigo 37, §4º e pela Lei 8.429/92.

terça-feira, 20 de março de 2012

DO EMPRÉSTIMO - COMODATO Arts. 579 a 585


Prof. Geraldo Doni Júnior

Texto base de

José Fernando Simão (Direito Civil – Contratos. 2ª Ed. Atlas. S.P. 2006).
Jones Figueiredo Alves – Código Civil Brasileiro Comentado. Ed. Saraiva. 2003.SP.



O que é ? É o empréstimo gratuito de um bem infungível pelo qual o comodante (dono da coisa) transfere sua posse ao comodatário por determinado período de tempo (CC, art. 579) (OAB/MG – mar./00). Trata-se de uma das modalidades de empréstimo ao lado do mútuo.

São contratos reais, isto é aperfeiçoam-se pela entrega do objeto ou da coisa mutuada.

DIFERENÇAS ENTRE COMODATO E MÚTUO.

O COMODATO é empréstimo de uso, segundo Darcy A. Miranda, abrangendo coisas móveis e imóveis, e
o mútuo é empréstimo de consumo, que exige a transferência da propriedade ao mutuário, que fica com a faculdade de consumi-la.

O mutuante deve ser dono da coisa para poder transferir o domínio.

O mútuo pode ser gratuito e oneroso.

O comodato é sempre gratuito.

Resumindo: Enquanto no comodato, é própria a coisa emprestada que deve ser devolvida; no mútuo efetua-se a devolução em coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade (art. 586 do CC).

COMODATO: (commodum datum, dado para cômodo e proveito), empréstimo de uso,
é contrato unilateral, gratuito, real, típico e não solene)..

É contrato gratuito. Tem por objeto a entrega de coisa infungível. Nele está contida a obrigação de restituir. Não requer forma solene. É contrato real pois aperfeiçoa-se pela entrega do objeto. É de regra intuitu personae. É Unilateral: gera obrigações apenas para o comodatário (alguns doutrinadores o classificam como bilateral imperfeito em razão de o comodante não poder exigir a devolução da coisa antes de findo o prazo estabelecido em contrato).

OBRIGAÇÕES DO COMODATÁRIO

Conservar a coisa como se sua fosse, não a utilizando de maneira danosa ou que a destrua (art. 582). O CC adota a aferição da culpa in concreto e não in abstrato (standart jurídico do bonus pater familias), ao utilizar a expressão como se sua própria fosse.

A obrigação atende o princípio que rege o próprio contrato, o da restitutio in integrum, dado que obriga o favorecido a devolver a coisa no mesmo estado em que a recebeu (dever de guarda e conservação). Responsabilidade pelos riscos da coisa (art. 583).

Por outro lado, é proibido ao comodatário recobrar do comodante as despesas com o uso e gozo da coisa emprestada (art. 584), nestas compreendendo-se as usuais e ordinárias da conservação (IPTU, luz, água, reparos no imóvel).

Obriga-se também o comodatário a fazer uso da coisa emprestada, de acordo com o contrato ou com a natureza dela, sob pena de responder por perdas e danos e provocar destarte, a rescisão do contrato.

DESVIO DE USO: o desvio de uso configura séria infringência contratual, sujeitando-se o comodatário ao ressarcimento dos prejuízos dele advindos. Ex. Carro de passeio emprestado não deve ser usado para transporte de animais e casa de família dada em comodato não deve ser utilizada para a realização de eventos para centenas de pessoas.

Obrigação de restituir a coisa é inerente à própria relação jurídica. No comodato a termo, a recusa em devolver a coisa emprestada importa em esbulho...(STJ, 3ª T., REsp 11.631-PR, rel. Min. Dias Trindade, DJ de 16-9-1991) (Mora “ex re”).

Nesse caso, a posse do comodatário passa a ser injusta, podendo o comodante vale-se das medidas possessórias cabíveis (reintegração de posse em caso de bem imóvel) ou a busca e apreensão (bem móvel). Trata-se de posse precária, poiss é baseada na confiança e não gerará direito a usucapião.

OU

Com a mora do comodatário surge o dever de pagamento de aluguel e, portanto, o comodato perde a sua gratuidade (CC 582).

Enunciado: III Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal:

“A regra do parágrafo único do art. 575 do CC, que autoriza a limitação pelo juiz do aluguel-pena arbitrado pelo locador, aplica-se também ao aluguel arbitrado pelo comodante, autorizado pelo art. 582, 2ª parte. do CC”.

Por outra via, caso o objeto dado em comodato corra risco de perda ou deterioração, o comodatário tem a obrigação de salvá-lo antes de seus próprios objetos (CC, art. 583), (ainda que em razão de caso fortuito ou força maior).

Se o contrato de comodato não contiver prazo para devolução da coisa, presume-se que este será o necessário para o uso concedido, não podendo o comodante suspender o uso e o gozo da coisa emprestada (581). É presunção em favor do comodatário, pois no tipo contratual em questão, o prazo existe em favor do comodatário, já que é a parte que se beneficia do contrato.

Ex. Quem empresta a casa de praia sem prazo para a devolução só poderá exigi-la do comodatário findo o verão. É uma exceção à regra segundo a qual o cumprimento das obrigações sem termo certo pode ser exigido imediatamente pelo credor (134).

O art. 581 do CC admite que, em se tratando de necessidade urgente e imprevista reconhecida pelo juiz, pode o comodante exigir a devolução da coisa. É o caso do empréstimo de um trator quando o comodante possui dois e um deles estraga.

SOLIDARIEDADE.

Na hipótese de haver mais de um comodatário, há solidariedade legal entre eles (585). Solidariedade não se presume, resulta da lei ou da vontade das partes (CC, art. 265).

Art. 580 – FALTA DE LEGITIMIDADE PARA DAR BENS EM COMODATO.

Não é falta de capacidade, mas falta de legitimidade, que é proibição legal que determinadas pessoas sofrem para a prática de determinados atos da vida civil.

TUTOR: Com relação aos bens do pupilo;
CURADOR: Com relação aos bens do curatelado;
ADMINISTRADORES: (síndico da massa falida, inventariante do espólio)

Os bens só podem ser cedidos em comodato com autorização especial concedida pelo juiz, sempre se verificando o iinterceiro do terceiro em questão. Em se tratando de menor ou interdito, a participação do Ministério Público no processo será imprescindível.

segunda-feira, 5 de março de 2012

Direito à indenização e retenção por benfeitorias:

Se o possuidor realiza benfeitorias (= melhoramentos, obras, despesas, plantações, construções) na coisa deve ser indenizado pelo proprietário da coisa, afinal a coisa sofreu uma valorização com tais melhoramentos. Se o proprietário não indenizar, o possuidor poderá exercer o direito de retenção, ou seja, terá o direito de reter (= conservar, manter) a coisa em seu poder em garantia dessa indenização (desse crédito) contra o proprietário.


Mas tais direitos de indenização e de retenção não são permitidos pela lei em todos os casos.

Inicialmente precisamos identificar o tipo de benfeitoria realizada. Pelo art. 96 do CC as benfeitorias podem ser voluptuárias, úteis e necessárias. Os parágrafos desse artigo conceituam tais espécies de benfeitorias, então exemplificando a voluptuária seria uma estátua ou uma fonte no jardim de um casa, ou então um piso de mármore, ou uma torneira dourada; já a útil seria uma piscina, uma garagem coberta, um pomar, fruteiras; finalmente, a benfeitoria necessária seria consertar uma parede rachada, reparar um telhado com goteiras, trocar uma porta cheia de cupim.

Precisamos também identificar a condição subjetiva da posse, ou seja, se o possuidor está de boa-fé ou de má-fé (vide aulas passadas sobre classificação da posse).

Pois bem, se o possuidor está de boa-fé (ex: inquilino, comodatário, usufrutuário, etc) terá sempre direito à indenização e retenção pelas benfeitorias necessárias; já as benfeitorias voluptuárias poderão ser levantadas (=retiradas) pelo possuidor, se a coisa puder ser retirada sem estragar e se o dono não preferir comprá-las, não cabendo indenização ou retenção; quanto às benfeitorias úteis, existe mais um detalhe: é preciso saber se tais benfeitorias úteis foram expressamente autorizadas pelo proprietário para ensejar a indenização e retenção.

Numa leitura isolada do art. 1219, fica a impressão de que as benfeitorias necessárias e úteis têm o mesmo tratamento. Mas isso não é verdade por três motivos:

Primeiro por uma questão de justiça afinal, como já vimos, são diferentes as benfeitorias úteis e necessárias, e estas são mais importantes do que aquelas. Não se pode comparar a necessidade de reparar uma parede rachada (que ameaçava derrubar o imóvel) com a simples utilidade de uma garagem coberta (é bom, evita que o carro fique quente, facilita o embarque das pessoas sob chuva, mas não é imprescindível).

Segundo por que os arts. 505 e 578 do CC exigem autorização expressa do proprietário para autorizar a indenização e retenção por benfeitorias úteis. Realmente, quem garante que o proprietário da casa alugada/emprestada queria um pomar no quintal plantado pelo possuidor/inquilino? E se o dono lá tivesse intenção de construir uma piscina ao término do contrato? Teria que comprar as árvores para depois derrubá-las????

Terceiro porque os direitos reais e os direitos obrigacionais se completam, ambos integram a nossa conhecida autonomia privada, formando o direito patrimonial, por isso não se pode interpretar o 1219 sem o 505 e principalmente o 578, que se refere à transmissão da posse decorrente da locação.

Em suma, em todos os casos de transmissão da posse (locação, comodato, usufruto), o possuidor de boa-fé terá sempre direito à indenização e retenção pelas benfeitorias necessárias; nunca terá tal direito com relação às benfeitorias voluptuárias; e terá tal direito com relação às benfeitorias úteis se foi expressamente autorizado pelo proprietário a realizá-las.

Já ao possuidor de má-fé se aplica o 1220, ou seja, nunca cabe direito de retenção, não pode retirar as voluptuárias e só tem direito de indenização pelas benfeitorias necessárias. Não pode nem retirar as voluptuárias até para compensar o tempo em que de má-fé ocupou a coisa e impediu sua exploração econômica pelo proprietário (= melhor possuidor).

5 – Direito a usucapir (= captar pelo uso = usucapião)

Para alguns autores este é o principal efeito da posse, o direito de adquirir a propriedade pela posse durante certo tempo. A posse é o principal requisito da usucapião, mas não é o único, veremos usucapião em breve.

6 – Responsabilidade do possuidor pela deterioração da coisa

Vocês sabem que, de regra, res perit domino, ou seja, a coisa perece para o dono. Assim, se eu empresto meu carro a José (posse de boa-fé) e o carro é furtado ou atingida por um raio, o prejuízo é meu e não do possuidor (1217). O possuidor de boa-fé tem responsabilidade subjetiva, só indeniza o proprietário se agiu com culpa para a deterioração da coisa (ex: deixou a chave na ignição e facilitou o furto).

Já o possuidor de má-fé pode ser responsabilizado mesmo por um acidente sofrido pela coisa, conforme 1218, salvo se provar a parte final do 1218 (ex: um raio atinge minha casa que estava invadida, o invasor não tem responsabilidade pois o raio teria caído de todo jeito, estivesse a casa na posse do dono ou do invasor). O possuidor de má-fé tem, de regra, responsabilidade objetiva, independente de culpa (ex: A empresta o carro a B para fazer a feira, mas B passa dois dias com o carro que termina sendo furtado no trabalho de B).

Por analogia ao 1218, lembrem-se do 399.

7 – Direito a inversão do ônus da prova

A aparência (presunção) é a de que o possuidor é o dono, assim cabe ao terceiro reivindicante provar sua melhor posse ou sua condição de verdadeiro dono (1211). Na dúvida, se mantém a coisa com quem já estiver.

Colaboração prof. Rafael de Menezes
EXCEÇÃO DE DOMÍNIO

Vimos que a ordem jurídica não tolera o exercício arbitrário dos direitos.
Aquele cujo direito é desrespeitado nao pode valer-se dos próprios meios para o fazer prevalecer;
A autotutela só pode ser exercida quando a lei expressamemnte o permitir;
Em relação a posse, a lei confere ao titular o direito a autotutela, Art. 1210,§ 1º CC;
A lei não confere igual permissão relativamente à propriedade; 345 CP.
O proprietário deve ir a juízo e propor a ação competente de reivindicação de posse;
Essa açao não é possessória porque o seu fundamento não é a posse (que ele não titula), mas a propriedade do bem que ele disputa.
A reivindicação se faz por ação de imissão na posse, classificada na doutrina como ação petitória (uma homenagem à tradição que remonta ao direito romano).


NÃO SE CONFUNDEM, PORTANTO, AS AÇÕES POSSESSÓRIAS E PETITÓRIA. Enquanto na ação possessória o autor é possuidor e pretende exercer o direito à posse "jus possessionis", na petitória é proprietário e intenta ver espeitado o seu direito de possuir "jus possidendi".
A AÇÃO POSSESSÓRIA TEM CARÁTER DEFENSIVO,
A AÇÃO PETITÓRIA É MEDIDA JUDICIAL DE NATUREZA OFENSIVA.


SEMPRE QUE O O PROPRIETÁRIO NÃO POSSUIDOR TENTA VALER-SE DOS PRÓPRIOS MEIOS PARA OBTER A POSSE DO BEM, INCORRE NUM ILÍCITO - pratica crime - art. 345 CP.
(Exceptio domini) seus atos são considerados ameaça, turbação ou esbulho.


Portanto, na ação possessória não cabe a discussão do domínio ver o art. 924 do Código de Processo Civil.


Num conflito de interesses entre o possuidor não proprietário e o proprietário não possuidor, deve prevalecer o interesse do primeiro na ação possessória (manutenção ou reintegração de posse ou interdito proibitório) e o do segundo, na ação petitória (imissão na posse).

Na ação possessória não se admite a exceção de domínio, e, durante sua tramitação, seu autor e seu réu estão impedidos de intentar a ação de reconhecimento da propriedade.


Primeiro se deve decidir quem tem a melhor posse; só depois se pode discutir quem é o proprietário, a quem a coisa deverá ser, então, entregue.


O objetivo dessa sistemática é impedir que a autotutela do direito de propriedade (que a lei não admite) seja alcançada por meios transversos, isto é, mediante o esbulho da posse titulada pelo não proprietário.




Processo:

RMS 18233 RJ 2004/0068981-6
Relator(a):
Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS
Julgamento:
20/06/2006
Órgão Julgador:
T3 - TERCEIRA TURMA
Publicação:
DJe 24/11/2008
Ementa
Recurso em mandado de segurança. Arrematação. Invasão do imóvel. Imissão na posse.
1. Estando em curso ação judicial, na qual houve arrematação e, posteriormente, invasão do imóvel, o titular tem o direito de pedir ao Juiz a imissão na posse.
2. Recurso ordinário provido, por maioria


Em resumo, o proprietário que não possui a coisa (e a quer) deve forçosamente entrar em juízo com a ação petitória (imissão na posse). Se não conseguiu amigavelmente a posse do bem, não lhe resta outra alternativa, já que a lei não lhe confere autotutela. Quando não propõe a ação reivindicatória da posse e busca obtê-la por seus próprios meios, incorre necessariamente em ameaça, turbação ou esbulho. Quer dizer, se o proprietário não possuidor conseguir a posse dessa maneira, ela será injusta. Nesse contexto, o possuidor não proprietário tem a melhor posse, porque ou será justa (mansa, ostensiva e indubitável) ou mais antiga entre os dois. No final, acabará prevalecendo o direito de propriedade, e a coisa deverá ser entregue ao dono; mas a conduta ilícita dele não pode passar sem a devida punição. Quer dizer, ele deverá aguardar o fim da ação possessória e ver o possuidor não proprietário ser assegurado, mantido ou reintegrado na posse para só então ter o direito subjetivo à ação reivindicatória.