terça-feira, 3 de setembro de 2013

A RESPONSABILIDADE DOS BANCOS. 1 – A responsabilidade dos bancos pode ser contratual (na relação com os clientes). 2 – Pode também ser aquiliana (danos a terceiros não clientes) 3 - Casos mais freqüentes são de responsabilidade contratual: Ex. pagamento de cheques falsificados. Súmula 28 do STF: “O estabelecimento bancário é responsável pelo pagamento de cheque falso, ressalvadas as hipóteses de culpa exclusiva ou concorrente do correntista”. 4 – A responsabilidade dos bancos é objetiva, nos moldes do art. 14 do CDC. Súmula 297 do STJ: “O CDC é aplicável às instituições financeiras, estas respondem, independentemente de culpa, pela reparação dos danos causados a seus clientes, por defeitos decorrentes dos serviços que lhes prestam. "A circunstância de o usuário dispor do bem recebido através da operação bancária, transferindo-o a terceiros, em pagamento de outros bens ou serviços, nao o descaracteriza como consumidor de serviços prestados, pelo banco" (REsp 57.974-0-RS, 4ª T., rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar.

sexta-feira, 17 de maio de 2013

ESPECIAL (STJ)


Teoria do adimplemento substancial limita o exercício de direitos do credor

Como regra geral, se houver descumprimento de obrigação contratual, “a parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos”, conforme dispõe o artigo 475 do Código Civil (CC). Entretanto, a doutrina e a jurisprudência têm admitido o reconhecimento do adimplemento substancial, com o fim de preservar o vínculo contratual.

Segundo a teoria do adimplemento substancial, o credor fica impedido de rescindir o contrato, caso haja cumprimento de parte essencial da obrigação assumida pelo devedor; porém, não perde o direito de obter o restante do crédito, podendo ajuizar ação de cobrança para tanto.

Origem
A substancial performance teve origem no direito inglês, no século XVIII. De acordo com o ministro Paulo de Tarso Sanseverino, da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o instituto foi desenvolvido “para superar os exageros do formalismo exacerbado na execução dos contratos em geral”.

Embora não seja expressamente prevista no CC, a teoria tem sido aplicada em muitos casos, inclusive pelo STJ, tendo como base, além do princípio da boa-fé, a função social dos contratos, a vedação ao abuso de direito e ao enriquecimento sem causa.

De acordo com o ministro Luis Felipe Salomão, da Quarta Turma do STJ, “a insuficiência obrigacional poderá ser relativizada com vistas à preservação da relevância social do contrato e da boa-fé, desde que a resolução do pacto não responda satisfatoriamente a esses princípios”. Para ele, essa é a essência da doutrina do adimplemento substancial.

Boa-fé

O princípio da boa-fé, que exige das partes comportamento ético, baseado na confiança e na lealdade, deve nortear qualquer relação jurídica. De acordo com o artigo 422 do CC, “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.

Segundo Paulo de Tarso Sanseverino, “no plano do direito das obrigações, a boa-fé objetiva apresenta-se, especialmente, como um modelo ideal de conduta, que se exige de todos integrantes da relação obrigacional (devedor e credor) na busca do correto adimplemento da obrigação, que é a sua finalidade última”.

No julgamento do Recurso Especial (REsp) 1.202.514, a ministra Nancy Andrighi, da Terceira Turma do STJ, afirmou que uma das funções do princípio é limitar o exercício de direitos subjetivos. E a essa função aplica-se a teoria do adimplemento substancial das obrigações, “como meio de rever a amplitude e o alcance dos deveres contratuais”.

No caso objeto do recurso, Indústrias Micheletto e Danilevicz Advogados Associados firmaram contrato de serviços jurídicos, que previa o pagamento de prestações mensais, reajustáveis a cada 12 meses.

Durante os seis anos de vigência contratual, não houve nenhuma correção no valor das parcelas. A contratada optou por renunciar ao reajuste, visando assegurar a manutenção do contrato. Entretanto, no momento da rescisão, exigiu o pagamento retroativo da verba.

Nancy Andrighi explicou que nada impede que o beneficiado abra mão do reajuste mensal, como forma de persuadir a parte contrária a manter o vínculo contratual.

Nessa hipótese, haverá redução da obrigação pela inércia de uma das partes, ao longo da execução do contrato, em exercer direito, “criando para a outra a sensação válida e plausível de ter havido a renúncia àquela prerrogativa”, disse.

Por isso, o princípio da boa-fé tornou inviável a pretensão da firma de advocacia de exigir valores a título de correção monetária, pois frustraria uma expectativa legítima, construída e mantida ao longo de toda a relação contratual, explicou Andrighi.

Função social

Para o ministro Luis Felipe Salomão, o contrato deixou de servir somente para circulação de riquezas: “Além disso – e principalmente –, é forma de adequação e realização social da pessoa humana e meio de acesso a bens e serviços que lhe dão dignidade.”

“Diante da crescente publicização do direito privado, o contrato deixou de ser a máxima expressão da autonomia da vontade para se tornar prática social de especial importância, prática essa que o estado não pode simplesmente relegar à esfera das deliberações particulares”, disse o ministro, no julgamento do REsp 1.051.270.

BBV Leasing Brasil ajuizou ação de reintegração de posse contra um cliente, em razão da falta de pagamento de cinco das 36 parcelas devidas em contrato para aquisição de automóvel. Como não obteve sucesso nas instâncias ordinárias, a empresa recorreu ao STJ.

Salomão entendeu que a teoria do adimplemento substancial deveria ser aplicada ao caso, visto que o cliente teria pagado 86% da obrigação total, além de R$10.500 de valor residual garantido (VRG).

De acordo com o relator, a parcela da dívida não paga não desaparecerá, “o que seria um convite a toda sorte de fraudes”, porém o meio de realização do crédito escolhido pela instituição financeira deverá ser adequado e proporcional à extensão do inadimplemento – “como, por exemplo, a execução do título”, sugeriu.

Ele explicou que a faculdade que o credor tem de rescindir o contrato, diante do inadimplemento do devedor, deve ser reconhecida com cautela, principalmente quando houver desequilíbrio financeiro entre as partes contratantes, como no recurso julgado.

Carretas

Caso semelhante foi analisado também pela Terceira Turma, em junho deste ano. Inconformada com o débito de seis parcelas, do total de 36, correspondentes a contrato cujo objeto eram 135 carretas, a empresa Equatorial Transportes da Amazônia ajuizou ação de reintegração de posse contra Costeira Transportes e Serviços.

No REsp 1.200.105, a Equatorial pediu a extinção do contrato, sustentando que o fato de faltar apenas um quinto do valor a ser quitado não servia de justificativa para o inadimplemento da outra contratante.

O ministro Paulo de Tarso Sanseverino, relator do recurso especial, deu razão à Costeira e aplicou a teoria do adimplemento substancial. “Tendo ocorrido um adimplemento parcial da dívida muito próximo do resultado final, limita-se esse direito do credor, pois a resolução direta do contrato mostrar-se-ia um exagero, uma iniquidade”, disse.

Ele afirmou que, atualmente, o fundamento para aplicação da teoria é o artigo 187 do CC. De acordo com o dispositivo, o titular de um direito que o exerce de forma a exceder os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes, comete ato ilícito.

Na hipótese, Sanseverino explicou que o credor poderá exigir seu crédito e até indenização, mas não a extinção do contrato.

Imóvel rural

Em agosto deste ano, a Terceira Turma reconheceu o adimplemento substancial de um contrato de compra e venda, cujo objeto era um imóvel rural. Do valor da dívida, R$ 268.261, o comprador deixou de pagar, à época do vencimento, apenas três parcelas anuais, que totalizavam R$ 26.640. Esse valor foi quitado posteriormente.

“Se o saldo devedor for considerado extremamente reduzido em relação à obrigação total, é perfeitamente aplicável a teoria do adimplemento substancial, impedindo a resolução por parte do credor, em favor da preservação do contrato”, afirmou o ministro Massami Uyeda (AREsp 155.885).

Enriquecimento ilícito

Quando o comprador, após ter pagado parte substancial da dívida, torna-se inadimplente em razão da incapacidade de arcar com o restante das prestações devidas, tem a possibilidade de promover a extinção do contrato e de receber de volta parte do que pagou, sem deixar de indenizar o vendedor pelo rompimento. Esse foi o entendimento da Quarta Turma, ao julgar o REsp 761.944.

Planec Planejamento Educacional firmou contrato de compra e venda com a Companhia Imobiliária de Brasília (Terracap) para aquisição de um imóvel, localizado em Águas Claras (DF). A cláusula relativa ao pagamento previa que 30% do valor do imóvel deveriam ser pagos a título de sinal.

O tribunal estadual considerou que o comprador, por ter dado causa à rescisão contratual, não tinha direito ao ressarcimento de parte substancial do valor pago ao vendedor. Entretanto, o ministro João Otávio de Noronha, relator do recurso especial, entendeu que o acórdão deveria ser reformado.

Para o ministro, o pagamento inicial do valor devido deixa de ser caracterizado como sinal quando representa adimplemento de parte substancial da dívida. “Assim sendo, é incabível a retenção de tais valores no desfazimento do negócio, sob pena de enriquecimento ilícito do vendedor”, disse.

Ele citou precedente, segundo o qual, “o promissário comprador que se torna inadimplente em razão da insuportabilidade do contrato assim como pretendido executar pela promitente vendedora tem o direito de promover a extinção da avença e de receber a restituição de parte substancial do que pagou, retendo a construtora uma parcela a título de indenização pelo rompimento do contrato” (REsp 476.775).

Exceção do contrato não cumprido

No julgamento do REsp 883.990, a Quarta Turma analisou um caso em que a teoria do adimplemento substancial foi afastada. Um casal ajuizou ação ordinária, visando a reintegração de posse de um imóvel, situado na Barra da Tijuca (RJ), e a consequente rescisão do contrato milionário.

O casal de compradores havia deixado de pagar mais da metade do valor do imóvel, aproximadamente R$ 1 milhão, em razão de os vendedores não terem quitado parcela do IPTU, de R$ 37 mil.

Para suspender o pagamento das prestações devidas, o casal invocou a norma disposta no artigo 470 do CC – exceção do contrato não cumprido –, argumentando que a responsabilidade pela quitação dos débitos fiscais incidentes sobre o bem era dos vendedores.

De acordo com o relator do recurso especial, ministro Fernando Gonçalves (hoje aposentado), há uma flagrante desproporcionalidade entre o descumprimento parcial dos vendedores com a quitação dos débitos fiscais e a retenção das parcelas devidas pela compra do imóvel.

Ele entendeu que a falta de pagamento do IPTU não acarretou diminuição patrimonial para os compradores, o que serviria de justificativa para que estes deixassem de cumprir sua obrigação. Mencionou que o valor das prestações supera em muito o quantitativo referente ao imposto, que, inclusive, poderia ser abatido do valor devido.

Para o ministro, a exceção do contrato não cumprido favoreceu os vendedores. “Há flagrante mora dos recorridos [compradores], porque, por uma escassa importância, suspenderam o pagamento de aproximadamente R$ 1 milhão, já na posse do imóvel até hoje mantida”, concluiu.

Contrato de previdência

“Para a resolução do contrato, inclusive pela via judicial, há de se considerar não só a inadimplência em si, mas também o adimplemento da avença durante a normalidade contratual”, disse o ministro Luis Felipe Salomão, no julgamento do REsp 877.965

Após a morte do cônjuge, uma beneficiária de contrato de previdência privada, firmado com o Bradesco Vida e Previdência, foi informada de que o acordo havia sido cancelado administrativamente, devido à inadimplência de três parcelas. Conforme acordado, a beneficiária deveria receber pecúlio em razão de morte, no valor de R$ 42 mil.

Entretanto, seis dias após o cancelamento pela instituição financeira, antes de ter ocorrido a morte do cônjuge, as três mensalidades devidas foram pagas. Em razão do cancelamento, a empresa devolveu o valor pago em atraso. Diante disso, a beneficiária ajuizou ação de cobrança.

No recurso especial, ela alegou nulidade da cláusula contratual que autorizou o cancelamento do contrato de seguro devido ao inadimplemento de parcelas, sem que tenha ocorrido a interpelação judicial ou extrajudicial para alertar o devedor a respeito do cancelamento ou rescisão do contrato.

Para o ministro Salomão, a conduta da beneficiária “está inequivocamente revestida de boa-fé, a mora – que não foi causada exclusivamente pelo consumidor – é de pequena importância, e a resolução do contrato não era absolutamente necessária, mostrando-se também interessante a ambas as partes a manutenção do pacto”.

Segundo o ministro, o inadimplemento é “relativamente desimportante em face do substancial adimplemento verificado durante todo o período anterior”, além disso, “decorreu essencialmente do arbítrio injustificável da recorrida – entidade de previdência e seguros – em não receber as parcelas em atraso, antes mesmo da ocorrência do sinistro, não agindo assim com a boa-fé e cooperação recíproca, essenciais à harmonização das relações civis”.

Fonte (STJ).

terça-feira, 23 de abril de 2013





O fim da prisão do depositário infiel e a súmula vinculante
Controle de constitucionalidade

Por Bruno Barata Magalhães



A Emenda Constitucional 45/2004 acresceu à Constituição Federal o artigo 103-A, que dispõe acerca das súmulas vinculantes. Conforme menciona o dispositivo indicado, a aprovação de súmula vinculante se dará pelo Supremo Tribunal Federal, ofício ou por provocação.



A Lei Federal 11.417/06 regulamentou o artigo 103-A da Lei Maior, disciplinando a edição, revisão e cancelamento de enunciado de súmula vinculante.



A Resolução 381/2008, do Supremo Tribunal Federal, estabeleceu os procedimentos para edição, revisão e cancelamento dos mencionados verbetes, inclusive, instituindo a nova classe processual no âmbito do Supremo Tribunal Federal: a proposta de súmula vinculante. Já a Resolução 388/2008 disciplina o processamento do mencionado procedimento.



Destarte, é através do ajuizamento de proposta de súmula vinculante que, tanto o Supremo Tribunal Federal, de ofício, quanto os legitimados do artigo 3º da Lei Federal 11.417/06, por provocação, que é possível a edição, revisão e cancelamento de súmula vinculante.



Através desse instrumento, a presidente de Comissão de Jurisprudência do Pretório Excelso, ministra Ellen Gracie, encaminhou ao presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, propostas de edição de súmula vinculante, tendo uma delas originado a Proposta de Súmula Vinculante 31, cujo proponente foi o ministro Cezar Peluso.



O texto proposto dispunha que é “ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito”, citando como precedentes três recursos extraordinários e oito habeas corpus e, como legislação aplicável, o artigo 5º, LXVII, parágrafo 2º, da Constituição Federal; o artigo 7º, parágrafo 7º, do Pacto de São José da Costa Rica; e artigo 11 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos.



O mencionado dispositivo inserto na Constituição Federal dispõe que:



“Art. 5º.................................................................................



LXVII — não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel”.



O parágrafo 2º do mesmo ainda reza que:



“§ 2º — os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.



De fato, há dois tratados internacionais ratificados pelo Brasil no que se refere à prisão civil. O citado Pacto de São José da Costa Rica, no artigo 7º, parágrafo 7º, assevera que:



“Art. 7..................................................................................



§ 7º. Ninguém deve ser detido por dívida. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar”.



Por sua vez, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos dispõe no artigo 11:



“Art. 11. Ninguém poderá ser preso apenas por não poder cumprir com uma obrigação contratual”.



No ordenamento jurídico brasileiro, há ainda uma quarta regra que dispõe acerca da prisão civil, sobretudo no que se refere ao depositário infiel: o Código Civil. O artigo 652 é claro ao dispor:



“Art. 652. Seja o depósito voluntário ou necessário, o depositário que não o restituir quando exigido será compelido a fazê-lo mediante prisão não excedente a um ano, e ressarcir os prejuízos”.



A Proposta de Súmula Vinculante 31 foi ajuizada em 14 de abril de 2009. Na Sessão Plenária de 16 de dezembro de 2009, os ministros decidiram por editar súmula vinculante com o texto proposto, confirmando, então, ser ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito.



Este artigo não procura analisar a prevalência ou não da prisão civil do depositário infiel. O que se busca é sopesar se a Proposta de Súmula Vinculante deve ser considerada uma nova modalidade de Controle Concentrado de Constitucionalidade.



Não cabe discorrer acerca do Controle Difuso de Constitucionalidade, vez que este possui aplicação apenas inter partes, sendo os efeitos da súmula vinculante, por sua vez, erga omnes.



Os efeitos da súmula vinculante atingem toda a administração pública, direta e indireta. Desse modo, seu texto possui força de lei ordinária federal.



Anteriormente à edição de súmula vinculante declarando ilícita a prisão civil do depositário infiel, os pactos internacionais já emanavam seus efeitos, vez que foram ratificados em 1992.



Desse modo, a regra inserta no artigo 652, através do Código Civil, em 2002, esteve prejudicada desde o início de seu vigor?



Verifica-se que pelos próprios precedentes apresentados pelo ministro Cezar Peluso, proponente da Proposta de Súmula Vinculante 31, sobretudo em sede de Habeas Corpus, foram deferidas ordens de prisão para depositário infiel.



Os Pactos de São José da Costa Rica e Internacional sobre Direitos Civis e Políticos possuem força de emenda constitucional, na forma do parágrafo 3º do artigo 5º da Constituição Federal. Tomando-se por base o inciso LXVII do mesmo artigo, que prevê a prisão civil do depositário infiel, pode-se concluir que desde 1992 o inciso LXVII foi revogado automaticamente, pela ratificação, pelo Brasil, de ambos os pactos internacionais já mencionados.



Poder-se-ia falar em violação à regra de não modificação de cláusula pétrea por via de emenda constitucional. Contudo, apesar de realmente ser cláusula pétrea a regra do inciso LXVII do artigo 5º da Carta da República, as alterações ocorridas em 1992 ocorreram em benefício do réu e, não se podendo olvidar que o mencionado artigo 5º está inserto no Título II da Lei Maior, que trata de “Direitos e Garantias Fundamentais”, é plausível que se altere a norma a fim de defender tais direitos e garantias. E é o que realmente ocorreu.



Destarte, apesar de considerada a revogação do inciso LXVII e, portanto, a prevalência da regra dos Pactos internacionais, qual seja, de ser inconstitucional a prisão civil do depositário infiel, autoridades judiciárias vêm descumprindo o dispositivo constitucional, ao deferir ordens de prisão, com base, exclusivamente no artigo 652 do Código Civil, que ainda permanece em vigor.



Contudo, se a súmula vinculante produz efeito erga omnes na administração pública direta e indireta, atingindo, portanto, autoridades judiciárias e policiais, por exemplo, deve-se concluir que a súmula vinculante originada a partir da Proposta de Súmula Vinculante 31 declarou inconstitucional o dispositivo inserto no Código Civil, tendo feito um controle concentrado de constitucionalidade, vez que revogou a norma automaticamente, a partir de iniciada a vigência do verbete do Supremo Tribunal Federal.



Aliás, o texto da súmula vinculante deve ser alterado para “é inconstitucional a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito”, ou seja, alterando o termo “ilícita” por “inconstitucional”, vez que, como foram tomadas por base, para a aprovação da Proposta de Súmula Vinculante 31, as regras dos Pactos de São José da Costa Rica e Internacional de Direitos Civis e Políticos, essa modalidade de prisão civil viola a Lei Maior, por suas duas “emendas constitucionais” que a proíbem.



Bruno Barata Magalhães é advogado, consultor em Direito Administrativo e Eleitoral, membro do Comitê de Jovens Advogados e do Fórum Latino Americano da International Bar Association e professor do Instituto de Pesquisas Aplicadas.
Revista Consultor Jurídico, 1º de janeiro de 2010



segunda-feira, 15 de abril de 2013


Dir. Civil – Contratos em Espécie - Prof. Geraldo Doni Júnior.

 

DA EMPREITADA - Arts. 610 e segs.

 

Conceito.

É o contrato em que se convenciona a execução de uma determinada obra, obrigando-se o executante denominado empreiteiro, por seu trabalho ou de terceiros, com ou sem os materiais a ela necessários, perante o empreitante, dono da obra, e de acordo com as instruções deste, que por ela fica obrigado a remunerá-la, independente do tempo necessário, por valor certo ou proporcional aos níveis de seu perfazimento. É contrato bilateral, consensual, comutativo, oneroso e não solene.[1]

É uma espécie de prestação de serviço, de natureza especial, refere-se à execução de obras de engenharia e arquitetura.

Entre a prestação de serviços e a empreitada existem DIFERENÇAS importantes.

PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS: o objeto do contrato é apenas a atividade do prestador, sendo a remuneração proporcional ao tempo dedicado ao trabalho; é uma obrigação de meio; a execução do serviço é dirigida e fiscalizada por quem contratou o prestador, a quem este fica diretamente subordinado e o patrão assume os riscos do negócio.

EMPREITADA: consiste em obrigação de  resultado, o objeto da obrigação é a obra em si; a remuneração é inalterada qualquer que seja o tempo de trabalho gasto; a execução dos serviços é fiscalizada pelo próprio empreiteiro; é o empreiteiro que assume os riscos do negócio, sem subordinação ao dono da obra.

Portanto, a empreitada, por gerar uma obrigação de resultado, tem por meta apenas o resultado final do contrato.

Remunera-se o resultado final do serviço, pois o empreiteiro se obriga a entregar a obra pronta.

A remuneração é definida em espécies distintas: a) a de preço fixo, preço pré-fixado pela obra em sua totalidade, sem segmentar as atividades de sua execução. A de preço fixo absoluto, que não admite variação remuneratória da mão de obra ou do preço dos materiais empregados na obra. b) A de preço fixo relativo, que permite quantia variável em face do valor de componentes da obra. (ALVES. Op cit.p.547).

NATUREZA JURÍDICA.

É contrato bilateral ou sinalagmático > gera obrigações recíprocas;

 Consensual > se aperfeiçoa com o acordo de vontades, independente de tradição;

Comutativo > prestações equivalentes, cada parte pode antever os ônus e vantagens dela advindas.

Oneroso > ambas as partes obtém proveito, ao qual corresponde um ônus;

Não solene > A forma é livre, não exigindo solenidade.

Quando o empreiteiro se obriga a executar a obra por unidades autônomas é considerada de trato sucessivo. Contudo, como tem como objeto a realização de DETERMINADA OBRA, é normalmente contrato de execução única.

ESPÉCIES DE EMPREITADA.

Empreitada de Mão de obra ou de lavor e empreitada mista.

a) Mão de Obra ou de lavor: onde o empreitante na execução fornece apenas o seu trabalho ( obrigação de fazer);

b) Mista: quando o empreitante além dos serviços fornece também os materiais (de trabalho e de materiais).

A diferenciação entre elas provoca efeitos jurídicos distintos, no tocante aos riscos da coisa empreitada.

Assim, quando o empreiteiro fornece os materiais, correm por sua conta os riscos até o momento da entrega da obra (art. 611). Se, entretanto, o empreiteiro só fornece a mão de obra, todos os riscos, em que não tiver culpa, correrão por conta do dono (ALVES. OP Cit. p. 547).

 A obrigação de o empreiteiro fornecer materiais não é presumida. Resulta, pois, de previsão legal ou de cláusula contratual que sobre ela disponha. Trata-se do contrato de empreitada onde se almeja a execução de toda a obra (empreitada global), nela se compreendendo, portanto, os materiais utilizados.

Podemos também classificá-la quanto ao modo de fixação de preço:[2]

a) Sob administração (por preço de custo);

b) Propriamente dita (a preço máximo);

c) a preço fixo ou global (CC. Art. 619);

d) a preço por medida (por etapas ou preço unitário – art. 614);

e) de valor reajustável.

 
É preciso distinguir com clareza, o objeto do contrato, ficando assente que da elaboração de um projeto contratado não resulta a obrigação de executá-lo ou de fiscalizar-lhe a execução, atividades específicas e não inerentes ao projeto em si mesmo.

 

(PRÓXIMA AULA).SUBEMPREITADA, verificação e recebimento da obra, Código do Consumidor etc

 

 



[1] ALVES, Jones Figueiredo, Novo Código Civil Comentado. Coordenação Ricardo Fiúza. Ed. Saraiva.  S.P. 2003
[2] GONÇALVES. Carlos Roberto. Contratos em Espécie, Direito das Coisas. Coordenador Pedro Lenza. Ed. Saraiva. p. 165. 2013. S.P.
Direito Civil - Contratos - Fernando Capez - Coordenador.

quinta-feira, 28 de março de 2013


SEGURO - EMBRIAGUÊS AO VOLANTE. INDENIZAÇÃO DEVIDA.

A 1ª Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça de Santa Catarina acatou apelo de uma beneficiária de seguro por acidentes automobilísticos contra sentença que lhe negara a cobertura do benefício por embriaguez do condutor do carro - seu falecido pai. A filha, inconformada com a sentença de primeiro grau, apresentou apelação. Disse que não foram produzidas nos autos provas capazes de atestar a voluntariedade do estado de embriaguez da vítima, inexistindo, portanto, culpa grave ou agravamento do risco.

A câmara admitiu a argumentação, pois entendeu que não houve demonstração, por parte da Santander Seguros, de que o segurado, voluntariamente, ampliou o risco ao dirigir alcoolizado. Para os integrantes do órgão, as cláusulas que restringem ou limitam as garantias securitárias devem ser interpretadas de maneira restrita, sempre com norte na boa-fé, que é orientadora de todos os contratos, sobretudo em se tratando de relação de consumo.

A embriaguez do segurado, por si só, não é causa excludente da obrigação de ressarcir assumida pela seguradora, mesmo havendo cláusula expressa em sentido contrário, salvo se o estado etílico é preordenado (voluntário) e com o escopo de provocar acidente de trânsito ou qualquer outro incidente causador de dano, interpretou o desembargador Joel Dias Figueira Júnior, relator da apelação.

Para o magistrado, se não houve prova de que a embriaguez foi a causa determinante para a ocorrência do sinistro, infundada é a exclusão da cobertura, motivo pelo qual a seguradora ré deve indenizar os danos causados no valor previsto no orçamento. A votação foi unânime (Apelação Cível n. 2010.062696-0).



quarta-feira, 27 de março de 2013


Mulher que mantinha união estável com ex-sogro tem pedido de pensão negado


Relator considerou que o reconhecimento da união estável entre a apelante e o ex-sogro é juridicamente impossível


Fonte | TJRS - Quarta Feira, 27 de Março de 2013 (JORNAL JURÍDICO)




A 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do RS negou pedido de pensão previdenciária à mulher que alegou conviver em união estável com ex-sogro. Os magistrados confirmaram a sentença de 1° Grau, proferida pelo Juiz de Direito Bruno Jacoby de Lamare, da Comarca de Itaqui. De acordo com o Código Civil, a afinidade em linha reta (ascendentes, descendentes, irmãos do cônjuge ou companheiro) não se extingue com a dissolução do casamento ou da união estável.


Caso


A autora do Mandado de Segurança sustentou que se separou judicialmente em 31/01/06 e que, em 28/06/07, regularizou sua união estável com o ex-sogro. Ela postulou a sua inclusão como beneficiária deste, falecido em 2010, junto ao FAPS - Fundo de Aposentadoria e Pensões do Município de Itaqui. Mas o Município negou o pedido da apelante, com base nos artigos 1521, inciso II, 1595, §2° e 1723, §1° do Código Civil.


Decisão


A autora impetrou mandado de segurança, mas teve o pedido negado na Comarca de Itaqui. Inconformada, ela apelou ao TJRS.


O relator, Desembargador Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, votou por manter a sentença de 1° Grau, considerando que o reconhecimento da união estável entre a apelante e o ex-sogro é juridicamente impossível. O magistrado citou o parecer do Ministério Público:


O artigo 1521 do Código Civil, que elenca os impedimentos para o casamento, estando entre eles, no seu inciso II, a impossibilidade de casamento entre afins em linha reta. Complementando, o mesmo artigo, no inciso seguinte, disciplina que a afinidade na linha reta não se extingue com a dissolução do casamento ou união estável. E, por fim, o artigo 1723, inciso I, equipara a união estável ao casamento, inclusive nos seus impedimentos.


Dessa forma, concluiu o relator, sendo inquestionável o impedimento legal para a impetrante e seu sogro constituírem união estável, é rigorosamente vazia a pretensão de que a recorrente seja considerada companheira do sogro e dependente deste junto à previdência pública municipal, afirmou o Desembargador. Acrescento, finalmente, que a pretensão deduzida tangencia perigosamente a litigância de má-fé, pois a recorrente deduz pretensão contra texto expresso de lei e, pior, em sede de mandado de segurança.


Participaram do julgamento os Desembargadores Liselena Schifino Robles Ribeiro e Alzir Felippe Schmitz, que votaram de acordo com o relator.



quinta-feira, 21 de março de 2013

DOAÇÃO ENTRE CÔNJUGES.


É permitida desde que possível em razão do regime de bens.

Os bens comuns não podem ser doados, pois pertencem a ambos;

Só podem ser doados os bens particulares de cada cônjuge, que devem ser verificados de acordo com o regime de bens adotado no casamento.

A doutrina não é pacífica ao admitir a doação em todos os regimes de bens (CC arts. 1667 a 1671).

Parte-se da premissa que a doação entre cônjuges é da porção disponível de cada um.

Se o contrato de doação não informar nada ou expressamente determinar se tratar de antecipação da legítima, os bens deverão ser colacionados.

Se o contrato de doação informar que os bens são da parte disponível, não haverá necessidade de colação (José Fernando Simão).

(Situação de herdeiro do cônjuge donatário) para que surja o dever de colacionar a doação efetuada deve o cônjuge sobrevivente ser herdeiro necessário do cônjuge doador quando do falecimento do último (arts. 1829 e 1830).

sexta-feira, 8 de março de 2013

PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO DIREITO CONTRATUAL.

Princípio da boa-fé;
Princípio da autonomia privada;
Princípio da função social dos contratos;
Princípio da relatividade dos efeitos contratuais;
Princípio da força obrigatória dos contratos;
Princípio do consensualismo

ALGUNS DOS DEVERES ANEXOS A QUALQUER CONTRATO.

Dever de respeito;
Dever de colaboração;
Dever de confiança;
Dever de informar;
Dever de lealdade;
Dever de agir conforme a equidade;
Dever de cuidado.

Se qualquer um desses deveres for violado, configurar-se-á a responsabilidade objetiva.
A boa-fé objetiva tem três funções: 1) Função de interpretação (art.113 do CC); 2) Função do controle dos limites do exercício do direito (art. 187 do CC); Função de integração: quando a boa-fé objetiva se afigura em todas as fases do contrato.

Lembrem-se: o contrato deve, necessáriamente, ser interpretado e visualizado de acordo com o contexto social, respeitada, sempre, a dignidade da pessoa humana. Este é o princípio da Função Social do Contrato, onde se busca resguardar os interesses do vulnerável, mitigando, pois, a força obrigatória dos contratos, na medida em que estes tasmbém possuem uma finalidade social. (Direito Civil Contratos - Coordenador Fernando Capez)

quarta-feira, 6 de março de 2013

Mantida restrição a uso de marca de refrigerante


Nome deve ser exluído de campanhas publicitárias, embalagens, ou qualquer outro meio que revele o produto, sob pena de multa diária de R$ 10 mil


Fonte
TJSP - Terça Feira, 05 de Março de 2013
Jornal Jurídico.

Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça decidiu manter a restrição da utilização do nome 'Refree Cola', excluindo-o de campanhas publicitárias, embalagens, impressos, letreiros de produtos, etiquetas, internet, cartazes, ou qualquer outro meio que revele seu produto ao público, sob pena de multa diária de R$ 10 mil.

O Desembargador Neves Amorim afirmou que “trata-se de demanda proposta pela empresa Indústria e Comércio de Bebidas Funda Ltda. com o objetivo de impedir a empresa-ré, Refrigerantes Marajá S.A., de fazer uso da expressão 'Refree Cola', tendo em vista a existência de legítimo registro para a marca 'Refricola', de sua propriedade, junto ao Instituto Nacional de Propriedade – INPI”.


“É importante desde logo esclarecer que o centro do debate não é a utilização da expressão ‘Cola’ ou a utilização da marca ‘Refree’, mas, a utilização de ambas, em destaque no rótulo, seja em conjunto, justapostas ou superpostas”, destacou o relator em seu voto. “Em todas estas situações existe a possibilidade de confusão”, complementou.

"Cabe esclarecer ainda que", prossegue o relator, "é bem verdade que a ré não fez uso específico da marca registrada pela autora (‘Refricola’), porém a composição por ela formulada entre a marca a ela concedida (‘Refree’) e a expressão ‘Cola’ tornaram as expressões foneticamente idênticas, com a clara possibilidade de o consumidor ser enganado".

Neves Amorim concluiu que “revela-se correta a decisão em primeiro grau em determinar à ré a abstenção do uso da expressão ‘Refree Cola’”. Quanto ao pedido indenização, disse que “a jurisprudência considera tal indenização consequência direta da violação de direitos de propriedade industrial, conforme dispõe o artigo 209 da Lei 9279/96”, finalizou.

Do julgamento, decisão unânime, participaram também os desembargadores José Joaquim dos Santos e Alvaro Passos.

Processo nº 0020463-94.2008.8.26.0482

terça-feira, 5 de março de 2013


Turma nega habeas corpus a pai preso por inadimplência de pensão alimentícia




A 1ª Turma Cível do TJDFT negou habeas corpus a pai preso por dever parcelas, referentes ao ano de 2009, da pensão alimentícia dos filhos do primeiro casamento. A prisão foi decretada depois de várias tentativas de acordos judiciais, os quais o devedor deixou de quitar.
Consta do pedido de liberdade que o autor ficou desempregado no ano de 2012, motivo pelo qual não conseguiu honrar os acordos homologados na Justiça. Além disso, segundo sua advogada, o devedor teria contraído novo matrimônio e tornara-se pai novamente, o que agravara sua situação financeira.
Ao analisar o habeas corpus, a Turma julgou legal a decretação da prisão. De acordo com o órgão colegiado, por se tratar de restrição ao direito fundamental de liberdade de ir e vir, a prisão civil configura exceção, conforme disposto na Constituição Federal (artigo 5º, inciso LXVII). Pela regra constitucional, haveria apenas duas possibilidades de prisão civil por dívidas: para o devedor voluntário de alimentos e para o depositário infiel. Porém, segundo o relator, a partir da Emenda Constitucional nº 45/2004, novo panorama para os acordos e as convenções internacionais foi inaugurado. Desde então, o entendimento pacífico do STF é de que a prisão civil por dívida restringe-se apenas à hipótese de descumprimento voluntário de prestação alimentícia e não mais ao depositário infiel.
A decisão da Turma foi unânime no sentido de que: "A prisão civil pelo não pagamento de pensão alimentícia não consubstancia pena ou represália, mas meio processual de coerção ao pagamento da dívida reconhecida em juízo".
Processo: segredo de justiça


Fonte: Newsletter.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

A TRAGÉDIA DE SANTA MARWRS E A RESPONSABILIDADE CIVIL


DECORRENTE.

o infausto acontecimento ocorrido na cidade de Santa Maria, Rio Grande do Sul, que

vitimou 231 jovens, suscita na opinião pública um questionamento - quem é o

responsável? Eu responderia com absoluta convicção - O PODER PÚBLICO e

solidariamente as pessoas jurídicas de direito privado na figura dos seus representantes

legais da banda e do proprietário da boate KISS. A repórter Eliane Cantanhêde, na

reportagem BRINCANDO COM FOGO, publicado na Folha de São Paulo do dia

29.01.2013, na folha A2, indagou várias vezes no texto: "E COMO O PODER

PÚBLICO, QuE AUTORIZA E FISCALIZA, NÃO VIU"? Realmente, o Estado é o

grande responsável por este e por milhares de eventos que ocorrem na realidade social,

em virtude da sua omissão no dever de atuar. A negligência estatal é um procedimento

corriqueiro nos litígios que tramitam perante o Poder Judiciário, tanto é verdade que

mais de 70% das ações indenizatórias que correm na Justiça, o maior cliente dos

julgadores, é o Estado.

A integridade fisica e psíquica da pessoa humana decorre da presença e atuação

concreta do Estado (art. 196 da CF/88). Afinal, a efetividade dos Direitos e Garantias

Fundamentais da pessoa prescritos no artigo 5° da Constituição Federal de 1988

depende substancialmente da atuação do Estado. O STF já afirmou que: "As garantias

institucionais desempenham função de proteção de bens jurídicos indispensáveis à

preservação de certos valores tidos como essenciais". A integridade da pessoa humana é

tida pela Corte Suprema brasileira com um valor essencial.

E, para a concreção dessas atividades fundamentais à sobrevivência do próprio Estado,

exige-se do mesmo presença contínua para disciplinar, fiscalizar e punir o

comportamento desviante das pessoas no ambiente social. Todavia, quando o Estado

neligencia esta importante atividade responde pela sua omissão. O Estado tem o dever

de agir e, na ausência da atuação que produz dano, deverá responder pelo seu descaso!

A mídia no Brasil há muito destaca o papel da impunidade, que nada mais é do que a

omissão do Estado! nos EUA, que exercem uma efetiva fiscalização e punição dos

infratores - o Estado marca a sua presença no ambiente social para assegurar proteção

ao cidadão e para fazer cumprir a lei. "Responde o Estado porque lhe incumbia

desempenhar com eficiência a função. Como não se organizou, ou não se prestou para

cumprir a contento a atividade que lhe cumpria, deixou de se revelar atento, diligente,

incorrendo em uma conduta culposa"(Arnaldo Rizzardo, Responsabilidade Civil, p.

360).

Portanto, se o Estado não cumpriu com o dever que a ordem jurídica lhe impunha e, em

conseqüência desta situação gerou dano, é responsável pelo mesmo. Nesta linha não

destoa o Supremo Tribunal Federal ao decidir: "Com relação à responsabilidade do

Estado, no caso in examen, verifica-se ser a mesma subjetiva, lastreada na obrigação do

Estado de impedir o evento danoso, uma vez que caberia ao ente público a

escorreita fiscalização da obra, a fim de manter em condição regular de uso a

barragem de Camará, sem oferecer riscos à população" (In STF - Ag.Reg. no RE

702. 574/Paraíba). Para corroborar essa tese, o Ministro Joaquim Barbosa do STF, no

julgamento do AI 600.652-AgRlPR, destacou: «a qualificação do tipo de

responsabilidade imputável ao Estado, se objetiva ou subjetiva, constitui circunstância

de menor relevo quando as instâncias ordinárias demonstram, com base no acervo

probatório, que a inoperância estatal injustificada foi condição decisiva para a produção

do resultado danoso". Resta inequívoca a responsabilidade civil subjetiva do Estado em

face da sua notória conduta omissiva, que comporta indenização por danos patrimoniais

e não patrimoniais (danos morais), em face da magnitude das lesões sofridas pelos

familiares das vítimas.

,- .

o jornal Folha de São do dia 30.0l.2013 estampa em sua primeira página a seguinte

notícia: «A Polícia Civil diz que a casa noturna Kiss, em Santa Maria (RS), estava

irregular, tinha vários problemas e não deveria estar funcionando". Ora, se não deveria

estar funcionando, porque estava? Por decorrência do ato omissivo do Estado, que foi

desidioso em seu dever de fiscalizar - faute du service. Dessa forma, resta

inquestionável a responsabilidade do Estado, ao lado da responsabilidade solidária (art.

942 CC) das pessoas jurídicas de direito privado - banda e boate Kiss - que

concorreram de forma eficiente para a produção dos lamentáveis e dolorosos danos que

sensibilizaram Q Brasil e toda comunidade mundial.

CLAYTON REIS ..

Juiz de Direito aposentado do TJPR. Pós-Doutor pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

Doutor e Mestre pela UFPr - Especialista em Responsabilidade Civil pela DEM. Professor do Curso de

Mestrado do CESUMAR. Professor do UNICURlTffiA, DA UTPr e da Escola da Magistratura do

Paraná, membro Fundador da Academia Paranaense de Letras Jurídicas.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

PREEMPÇÃO OU PREFERÊNCIA - JURISPRUDÊNCIA.
 
RECURSO ESPECIAL Nº 199.609 - SP (1998⁄0098830-0)

RECORRENTE:

ALZIRA CANDIDA CARLOS

ADVOGADO:

MARIA IZILDINHA QUEIROZ RODRIGUES

RECORRIDO :

OSCAR FELICIO E OUTROS



ADVOGADO:

SÉRGIO DEVIENNE


RECORRIDO :

MARIA NEIDE TAVARES DA ROSA

ADVOGADO:

ANA MARA SILVA DI BASTIANI E OUTRO(S)

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):



1. Alzira Cândida Carlos ajuizou ação pretendendo obter adjudicação de parte ideal de meação em face de Oscar Felício, Anísio Martins da Rosa e Maria Neide Tavares Rosa, alegando que o primeiro réu, seu marido em processo de divórcio, sem o consentimento da autora, alienou bens pertencentes ao casal, figurando como adquirentes os outros requeridos. Aduziu que a alienação ocorreu em desacordo com o que preceitua o art. 1.139 do Código Civil de 1916, não propiciando à autora o direito de preferência que o dispositivo lhe confere, daí porque requer, mediante depósito do preço, a adjudicação da meação cedida pelo cônjuge varão.

O Juízo de Direito da comarca de Santa Cruz do Rio Pardo⁄SP, inicialmente, acolheu a decadência do direito de adjudicação, afirmando que escoara o prazo de seis meses a que faz referência a parte final do dispositivo supracitado. (fls. 126⁄127)

Manejado recurso de apelação, foi a ele dado parcial provimento para que, afastada a preliminar de decadência, o juízo sentenciante prosseguisse no julgamento das demais matérias. (fls. 156⁄157)

Retornando os autos à origem, o pedido foi julgado improcedente, ao fundamento nuclear de inexistir coisa indivisível, como exige o art. 1.139 do Código Civil de 1916. (fls. 286⁄291)

Em grau de apelação, a sentença foi mantida por acórdão cuja ementa se transcreve:


DIREITO DE PREFERÊNCIA - Alienação de parte ideal de imóvel sem outorga uxória - Impossibilidade - A natureza divisível do imóvel exclui o direito de preferência - Inteligência do art. 1139 do CC. - Improcedência. (fl. 334)

Opostos embargos de declaração, foram eles rejeitados pelo acórdão de fls. 349⁄352.

Sobreveio recurso especial fundado nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional, no qual há alegação de ofensa aos arts. 623 3 1.139 do Código Civil de 1616; arts. 128, 460, 468, 535, 967 a 977, todos do Código de Processo Civil; art. 65 da Lei n.º 4.504⁄64; Lei n.º 5.868⁄72 e inciso XXXV do art. 5º da Constituição Federal.

Argumenta a recorrente que não houve alienação completa de sua meação - aonde residiria, inclusive, a omissão no acórdão recorrido -, razão pela qual deve ser admitido o seu direito de preferência sobre a meação do ex-marido, alienada a terceiros. Ademais, "a comunhão era pro indiviso, por ocasião dos fatos em face da própria lei, pois, ao vender parte de fração ideal, permaneceu a Recorrente com área inferior ao módulo e em comum com os demais". (fl. 368)

Sinaliza, de resto, dissídio jurisprudencial, notadamente em relação ao REsp. n.º 9.934⁄SP, de relatoria do e. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira.

Admitido o especial na origem (fls. 410⁄413), ascenderam os autos a esta Corte Superior.

É o relatório.

RECURSO ESPECIAL Nº 199.609 - SP (1998⁄0098830-0)

EMENTA

DIREITO CIVIL. CONDOMÍNIO DE IMÓVEL EXERCIDO POR CÔNJUGES. ALIENAÇÃO DE MEAÇÃO. DIREITO DE PREFERÊNCIA. ART. 1139 DO CC⁄16. PERMANÊNCIA DO CÔNJUGE NA POSIÇÃO DE CONDÔMINO. VERIFICAÇÃO. SÚMULA 07⁄STJ. RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO.



1. Afigura-se despiciendo o rechaço, uma a uma, de todas as alegações deduzidas pelas partes, bastando ao órgão julgador que decline as razões jurídicas que embasaram a decisão, não sendo exigível que se reporte de modo específico a determinados preceitos legais. Violação ao art. 535 afastada.

2. "Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo Tribunal a quo".

3. O acórdão recorrido chegou à conclusão de que a autora não mais detinha direitos sobre o imóvel, mercê da alienação de sua própria meação, não sendo, assim, condômina, por isso inviável conferir-lhe o direito de preferência a que alude o art. 1139 do CC⁄16. Incidência da Súmula 07⁄STJ.

4. Recurso especial não conhecido.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

2. A celeuma diz respeito à aplicabilidade, ao caso concreto, do art. 1139 do Código Civil de 1916, que está assim redigido:

"Não pode um condômino em coisa indivisível vender a sua parte a estranhos, se outro consorte a quiser, tanto por tanto. O condômino, a quem não se der conhecimento da venda, poderá, depositando o preço, haver para si a parte vendida a estranho, se o requerer no prazo de 6 (seis) meses".

A autora depositou em juízo, dentro do prazo estipulado pelo dispositivo, o preço pago pelo terceiro à meação do imóvel descrito na inicial, que foi vendida pelo seu ex-cônjuge.

A controvérsia cinge-se apenas à questão da divisibilidade do imóvel, a qual não foi reconhecida pelo Tribunal de origem, bem como à qualidade da recorrente como "condômina".

Colaciono, para melhor exame, os seguintes fundamentos do acórdão:

Ocorre que em exordial de reintegração de posse, colacionada nos autos as fls. 91⁄96, diz a autora claramente que "embora na partilha consta a propriedade indivisa, permanecendo no condomínio com os demais irmãos herdeiros, transformou-se em posse exclusiva sobre a área certa e individualizada, por consenso unânime e deferimento de todas as partes envolvidas". Ora, está claro portanto que o imóvel tem natureza divisível, por próprio consenso das partes e que, portanto, a aplicabilidade do disposto pelo art. 1139 é inviável.

(...)

Por outro lado, temos claro que a ration (sic) do art. 1139 está velar pelo direito do condômino de não ter como lindeiro pessoa estranha e sendo assim, mais uma vez sua aplicabilidade se torna inviável, uma vez que a própria autora promoveu a cessão de seus direitos sobre o imóvel a outros. (fls. 335)

3. Nesse passo, afasto de saída a alegada ofensa ao art. 535 do CPC, primeiro porque a autora somente de passagem faz referência ao mencionado dispositivo, o que por si só atrai a incidência da Súmula n.º 284⁄STF, e ademais o Eg. Tribunal a quo dirimiu as questões pertinentes ao litígio, afigurando-se dispensável que venha a examinar uma a uma as alegações e fundamentos expendidos pelas partes. (REsp 1132350⁄RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 24⁄11⁄2009, DJe 17⁄12⁄2009).

4. Por outro lado, os arts. 128, 460, 468, 535, 967 a 977, todos do Código de Processo Civil, e art. 65 da Lei n.º 4.504⁄64 não foram prequestionados, circunstância que atrai a incidência da Súmula n.º 211⁄STJ.

5. Quanto ao mais, é de se notar que este E. STJ tem jurisprudência no sentido de conferir maior abrangência à questão da natureza divisível do imóvel, para efeito de aplicação do art. 1.139 do CC⁄16.

Sendo o imóvel de natureza divisível ou não, o que é relevante saber é se, de fato, o imóvel se encontrava em estado de indivisão.

Nesse sentido, confira-se o precedente da Segunda Seção:

Civil. Recurso especial. Condomínio. Alienação de parte ideal por condômino. Estado de indivisão do bem. Direito de preferência dos demais condôminos.

- Na hipótese de o bem se encontrar em estado de indivisão, seja ele divisível ou indivisível, o condômino que desejar alienar sua fração ideal do condomínio deve obrigatoriamente notificar os demais condôminos para que possam exercer o direito de preferência na aquisição, nos termos do art. 1.139 do CC16. Precedentes da Quarta Turma.

Recurso especial conhecido e provido.

(REsp 489.860⁄SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 27⁄10⁄2004, DJ 13⁄12⁄2004 p. 212)


Tal entendimento se justifica pelo fato de que, estando o imóvel em estado de indivisão, mesmo sendo de natureza divisível, é prudente que o direito previna futuros litígios decorrentes do ingresso de terceiro estranho ao condomínio, preferindo a aquisição àquele que ostenta a condição de condômino.

Assim, a matéria relativa à divisibilidade do imóvel, em tese, não seria óbice ao acolhimento da pretensão recursal da autora.

6. Porém, o ponto nevrálgico ao desate da controvérsia é saber se a autora é proprietária de alguma parcela do imóvel considerado como um todo, para só então conceder-lhe o direito de preferência a que alude o art. 1.139⁄CC16.

Nesse passo, malgrado a autora argumente que remanesce parcela de sua propriedade no imóvel, o Tribunal a quo, à luz das provas carreadas aos autos, chegou à conclusão diversa, de que a autora não mais detinha direitos sobre o imóvel, graças à alienação de sua própria meação, não sendo, por isso, condômina.

Confira-se o trecho:

Por outro lado, temos claro que a ration (sic) do art. 1139 está velar pelo direito do condômino de não ter como lindeiro pessoa estranha e sendo assim, mais uma vez sua aplicabilidade se torna inviável, uma vez que a própria autora promoveu a cessão de seus direitos sobre o imóvel a outros. (fls. 335)

Com efeito, tal conclusão somente se desfaz com ofensa ao Verbete n.º 07 da Súmula desta Corte.

6. Diante do exposto, não conheço do recurso especial.

É como voto.

DA VENDA A CONTENTO OU SUJEITA A PROVA. 19 DE FEVEREIRO DE 2013.
JURISPRUDÊNCIA - TJ/RS.

ACÓRDÃO - INTEIRO TEOR.

APELAÇÃO CÍVEL E RECURSO ADESIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL. VENDA A CONTENTO DO COMPRADOR.

Na hipótese em exame, muito embora inexistente a condição expressa no ajuste quanto à força de glúten “W” da matéria prima (trigo), há prova inconteste de que se trata de característica necessária ao aperfeiçoamento do objeto do contrato, que se destinava ao fabrico de farinha para indústria de macarrão. Além disso, restou provado o ajuste quanto à necessidade de posterior exame do produto para a concretização do negócio, caracterizando a venda a contento do comprador, de modo que inexiste o alegado descumprimento contratual a ensejar a indenização pretendida. Sendo lícita a recusa, resta prejudicada a discussão acerca da oscilação de mercado de preço do produto, bem como dos prejuízos que a parte autora afirmou ter sofrido.

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.

Nas causas em que não há condenação, a fixação da verba honorária deve ocorrer por equidade, seguindo os vetores do § 4º, art. 20, do CPC, sob pena do aviltamento na remuneração do profissional da advocacia. Honorários majorados.

APELO DESPROVIDO. RECURSO ADESIVO PROVIDO.



APELAÇÃO CÍVEL

NONA CÂMARA CÍVEL

Nº 70039429790

COMARCA DE ERECHIM

COCEVVIL COMERCIO DE CEREAIS LTDA

APELANTE

MOINHO ERECHIM INDUSTRIA E COMERCIO DE FARINHA LTDA

APELADO



ACÓRDÃO



Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em desprover o apelo e prover o recurso adesivo.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores DESA. MARILENE BONZANINI (PRESIDENTE) E DES. LEONEL PIRES OHLWEILER.

Porto Alegre, 26 de setembro de 2012.





DES. TASSO CAUBI SOARES DELABARY,

Relator.



RELATÓRIO

DES. TASSO CAUBI SOARES DELABARY (RELATOR)

Trata-se de apelação e recurso adesivo interpostos por COCEVVIL COMERCIO DE CEREAIS LTDA e por MOINHO ERECHIM INDUSTRIA E COMERCIO DE FARINHA LTDA, nos autos da ação de indenização ajuizada pelo apelante em face do recorrente adesivo, contra a sentença de fls. 152-5, que julgou improcedente a pretensão deduzida na exordial, atribuindo à parte autora o pagamento dos ônus da sucumbência.

A empresa autora, em suas razões recursais (fls. 158-61), alegou ter comprovado que o produto adquirido pelo réu estava expressamente de acordo com os termos do contrato. Ressaltou que se tratava de trigo nacional e que a alegação de que o produto não se prestava para o fabrico de macarrão não pode servir para justificar a injusta rescisão unilateral do ajuste. Referiu que os dispositivos citados pelo juízo a quo, os quais não foram invocados pelas partes, não podem fundamentar o decisum. Salientou, ainda, que outras empresas adquiriram o seu produto com as mesmas condições dos contratos enjeitados e todos o entenderam apto para o fim a que se destinava. Aduziu que a negativa em manter o contrato foi a queda do preço do produto após a celebração dos instrumentos. Defendeu, por fim, que se desincumbiu de seu ônus de comprovar o prejuízo experimentado em razão da injustificável rejeição unilateral realizada pelo réu, pugnando, assim, pela reforma da sentença recorrida.

O réu, em seu recurso adesivo (fls. 165-70), requereu a majoração da verba honorária.

Apresentadas contrarrazões apenas pelo réu (fls. 174-80), subiram os autos a esta Corte.

O demandado requereu a preferência do julgamento à fl. 186.

Em decisão colegiada, a 20ª Câmara Cível declinou da competência a uma das Câmaras competentes para a subclasse “responsabilidade civil” (fls. 188-93).

Na sequência, vieram a mim conclusos os autos em 04-09-2012.

É o relatório.

VOTOS

DES. TASSO CAUBI SOARES DELABARY (RELATOR)

Eminentes colegas.

Preambularmente, ao exame dos pressupostos de admissibilidade, nenhum reparo há a considerar.

Pela análise dos autos, observa-se que os litigantes iniciaram uma negociação para a compra e venda de trigo pão nacional, cujos negócios ficariam condicionados à aprovação da primeira carga.

A avença, no entanto, não se perfectibilizou, tendo em vista que o produto não atendia às necessidades do comprador.

Aliado a isso, restou demonstrado que o réu efetuou o pagamento integral do produto retirado dos silos da CESA destinado à prova, ou seja, 37,395 toneladas de trigo/indústria (para moagem) no valor de R$ 22.437,00 (fl. 80).

O autor, porém, postula uma indenização no valor de R$ 114.764,070, referente aos prejuízos que contabilizou com as diferenças de preço (a menor) obtidas com as vendas do produto a terceiros, em razão do cancelamento unilateral dos contratos.

Com efeito, o contrato constitui negócio jurídico bilateral com o objetivo de criar direitos, mediante a livre manifestação de vontade.

Não se pode olvidar, porém, que a liberdade contratual tem sofrido amplas restrições. O dirigismo contratual diminuiu e restringiu a autonomia da vontade. O contrato passou, assim, a ter um conteúdo de direito público, decorrente da lei. A obrigatoriedade dos contratos constitui uma projeção no tempo da liberdade contratual. O direito contemporâneo limitou, todavia, essa obrigatoriedade, interpretando-a enquanto as situações das partes não sofrerem alterações substanciais.

Além dos direitos e obrigações principais estabelecidos nos contratos, existem deveres secundários, cuja intensidade é verificada de acordo com o fim do negócio jurídico.

Por outro lado, é inequívoco que toda manifestação de vontade necessita de interpretação para que se saiba o seu significado e o seu alcance, as situações previstas e os efeitos que se pretendeu.

Além dos processos e as técnicas de fixação do sentido da lei, como os processos literal, histórico, sociológico, sistemático e lógico, é também observada, na interpretação contratual, a finalidade econômica da operação, a boa-fé presumida, o conteúdo real do ato, as circunstâncias peculiares do caso, os usos sociais e a equidade.

Aconselha-se, ainda, que se atenda mais à vontade das partes do que às palavras por elas empregadas, procurando-se uma interpretação das cláusulas que permita dar sentido ao contrato, assegurando a sua execução, esclarecendo-se as ambiguidades, não podendo a interpretação ser, na dúvida, contrária aos interesses daquele que se obrigou.

Em suma, necessário que se atenda à vontade real das partes, à vontade comum, ao que objetivamente pretenderam fazer, devendo o contrato ser interpretado de acordo com o próprio comportamento dos contratantes, numa espécie de interpretação autêntica, na qual se examina a conduta na execução da avença até o momento do litígio.

A propósito, sobre o assunto em foco ensina Carlos Roberto Gonçalves que:

Nem sempre o contrato traduz a exata vontade das partes. Muitas vezes a redação mostra-se obscura e ambígua, malgrado o cuidado quanto à clareza e a precisão demonstrado pela pessoa encarregada dessa tarefa, em virtude da complexidade do negócio e das dificuldades próprias do vernáculo.

Por essa razão não só a lei deve ser interpretada, mas também os negócios jurídicos em geral. A execução de um contrato exige correta compreensão da intenção das partes. Esta exterioriza por meio de sinais ou símbolos, dentre os quais as palavras.

Interpretar o negócio jurídico é, portanto, precisar o sentido e alcance do conteúdo da declaração da vontade. Busca-se apurar a vontade concreta das partes, não a vontade interna, psicológica, mas a vontade objetiva, o conteúdo, as normas que nascem da sua declaração.

No caso em liça, muito embora inexistente a condição expressa no ajuste quanto à força de glúten “W”, há prova inconteste de que se trata de característica necessária ao aperfeiçoamento do objeto do contrato, que se referia ao fabrico de farinha para indústria de macarrão. Além disso, restou provado o ajuste quanto à necessidade de posterior exame do produto para a concretização do negócio, caracterizando a venda a contento do comprador, de modo que inexiste o alegado descumprimento contratual a ensejar a indenização pretendida.

Nesse passo, entendo que não merece reparo o comando sentencial. A circunstância, aliás, foi bem examinada pelo magistrado de origem, razão pela qual transcrevo seus fundamentos a efeito de evitar tormentosa tautologia, verbis:

Verifico, da apreciação da prova encartada aos autos, que não há como dar trânsito à pretensão indenizatória do autor. Vejamos.

Os contratos de “confirmação de compra e venda” nº 013/2008 e 392/2008, acostados às fls. 11 e 20 dos autos, possuem cláusula de condição suspensiva, redigida nos seguintes termos: “negócio condicionado à aprovação da primeira carga”, caracterizando, portanto, espécie de venda sujeita à prova ou venda a contento, regulada nos artigos 509 a 512 do Código Civil, in verbis:

Art. 509. A venda feita a contento do comprador entende-se realizada sob condição suspensiva, ainda que a coisa lhe tenha sido entregue; e não se reputará perfeita, enquanto o adquirente não manifestar seu agrado.

Art. 510. Também a venda sujeita a prova presume-se feita sob a condição suspensiva de que a coisa tenha as qualidades asseguradas pelo vendedor e seja idônea para o fim a que se destina.

Art. 511. Em ambos os casos, as obrigações do comprador, que recebeu, sob condição suspensiva, a coisa comprada, são as de mero comodatário, enquanto não manifeste aceitá-la.

Art. 512. Não havendo prazo estipulado para a declaração do comprador, o vendedor terá direito de intimá-lo, judicial ou extrajudicialmente, para que o faça em prazo improrrogável.”

E, no caso em exame, verifico que, além da previsão contratual, a condição especial à compra e venda, sujeitando-a ao contento ou prova do adquirente, é prática usual de mercado e plenamente conhecida pelas partes envolvidas, sendo a aprovação da primeira carga, de “amostra” usos e costumes mantidos pelas partes, ambos comerciantes, e imperiosa e categoricamente aplicável ao caso, conforme se depreende dos depoimentos prestados pelas testemunhas:

MÁRIO SÉRGIO SILVA DOS SANTOS – corretor de cereais – fl. 113 - “(...) intermedia “negócio” de grãos a vários anos. (...) Funcionou como tal no contrato da capital corretora, em 21.07.08 (...) Informa que outros grãos, v.g. Soja tem padrão internacional de mercado. Não atingido o padrão pode ser refugado na venda com cancelamento do negócio. O trigo não tem um padrão único, mas vários padrões dependente da aplicação. O caso em que funcionou foi cancelado pois o tipo de trigo não atendia às necessidades que o moinho tinha naquele momento. (...) É uso e costume no mercado que todo e qualquer negócio fica condicionado à aprovação da primeira carga pelo comprador no prazo de 15 ou 20 dias”.

VANDERLÉIA DITADI – corretora de cereais – fl. 122 - “(...) O contrato que nós fechamos, ele foi fechado, acondicionado a aprovação da primeira carga e foi recebida a primeira carga e ela foi cancelada, não foi aprovada em função de qualidade. (...) todo contrato ele é afirmado mediante a aprovação da primeira carga”.

FERNANDO SEABRA SARTORI – corretor de cereais – fl. 131 - “(...) no momento de fazer o negócio são especificadas a qualidade de trigo que é solicitada pelo comprador e a partir de então fechado o negócio e enviada uma análise normalmente que chama-se de primeira carga para fazer a amostragem e daí então confirmado ou não a negociação”.

Assim, tratando-se de condição suspensiva – prevista no contrato e compatível com os usos do mercado, conforme já analisado -, o negócio só se aperfeiçoa quando ocorre a manifestação do adquirente e, no intervalo entre essa manifestação e a realização do negócio, o possível comprador fica na situação de comodatário (art. 511 do CC)1. A entrega da mercadoria, ou parte dela, para avaliação, não tem o o condão de transferir o domínio do produto na integralidade e perfectibilizar o contrato, como acontece em uma venda e compra comum, mas de dar ao pretenso adquirente a possibilidade de observar se o bem lhe satisfaz, de realizar testes e exames destinados a averiguar a aptidão do objeto, para somente depois disso manifestar a intenção de aperfeiçoar a compra não.

Ressalto que o citado art. 510 do CC é preciso ao referir que o objetivo da realização de prova ou exame da coisa é aferir não apenas que ela “detenha as qualidades asseguradas pelo vendedor”, como também que “seja idônea para o fim a que se destina”. Dito isso, é de óbvia ilação a conclusão de que, caso o comprador decline do negócio porque não aprovou a coisa, ele estará exercendo direito potestativo, que pode ser exercido sem oposição da outra parte (nas compras a contento) e, no caso das venda sujeitas a prova, estará exercendo o regular direito à recusa, caso verifique que elas não são próprias ao fim a que se destinam.

A analise do caso posto se dá então para constatar que a recusa do réu foi operada dentro da legalidade, no exercício de seu direito potestativo, considerando-se a venda realizada a contento.

E mais, não custa dizer que, mesmo que caracterizada como venda sujeita à prova e, portanto, não comportando a recusa imotivada do adquirente, melhor sorte não socorre ao autor, que não logrou comprovar, ônus que lhe incumbia, que o produto detinha a qualidade contratada e que era idôneo ao fim a que se destinava. É o próprio autor que comprova o insucesso da demanda pois, no mesmo laudo de análise de trigo formulado pela EMBRAPA, juntado pelo autor à fl. 14, que indica que a amostra analisada apresentava umidade de 13,8% e PH de 78,15, atendendo a duas das características listadas nos contratos (vide fl. 11 – cláusula “Produto” e fl. 20 0 cláusula Quantidade/descrição), se lê que na tabela de referência padrão para o “trigo tipo pão”, exatamente o objeto dos contratos, indica que a força do glúten “W1” deve ser superior a 180 joules e a amostra analisada apresentava índice inferior, correspondente a 149 joules! Portanto comprova o laudo que o trigo não era “forte” para os fins que se destinava.

O laudo acostado pelo autor comprova exatamente o que alega o réu: “a farinha apresentava uma coloração escura, com W (força) fraca com falling-number baixo, ocasionando a quebra do produto final (fl. 37).

Além das característica expressamente previstas no contrato (ph, umidade, padrão do trigo “tipo pão”), cumpria ao réu comprovar que a coisa era “idônea para o fim a que se” destinava, conforme determina o art. 510. Ou seja, deveria provar que o trigo entregue ao autor era apto à produção da mercadoria fabricada pelo réu (macarrão). Nesse ponto, o réu alega que o trigo era imprestável (baixa qualidade, coloração atípica, força fraca que acarretava na quebra do produto final) e o autor, a quem incumbia provar a qualidade do produto, a fim de desqualificar a recusa do réu, não produziu qualquer prova nesse ponto. Ateve-se, ao contrário, apenas a apontar o ph e umidade do trigo, o que, conforme demonstrado, é insuficiente para provar os fatos constitutivos de seu direito.

Assim, quanto à qualidade do trigo, o fato de estar dentro dos padrões mínimos discriminados na negociação inicial, relativos ao Ph, umidade e impurezas, não obriga o comprador a aceitar a mercadoria, visto que lhe socorre o direito de realizar exame para verificar a idoneidade do produto, para posterior a concretização do negócio.

Sublinho, ainda, que a exegese do art. 512 do CC revela que não há prazo legal para a manifestação do pretenso comprador, podendo, em regra, ser estipulado no termo de confirmação de compra e venda e quando não existir prazo fixado, o que ocorre no caso em liça, o alienante terá o direito de intimar o comprador judicial e extrajudicialmente para fazê-lo, ficando constituído em mora se vencido o prazo determinado. Entretanto, tal intimação não foi realizada pelo autor, de forma que a recusa da mercadoria, realizada pelo autor após 20 dias da proposta de compra e venda nº 13/2008 e 05 dias da proposta nº 302/2008, não foi extemporânea, ao contrário, foi realizada em um prazo razoável.

Portanto, não merece acolhida a tese do autor de que os contratos já estariam perfectibilizados com a estipulação das bases iniciais constantes dos termos de confirmação de fls. 11 e 20. Cumpre assinalar, ainda, que tais documento sequer foram assinados pelas partes, tratando-se apenas de um esboço da negociação produzido pelas corretoras.

Por fim, a autora admitiu (item 3 da réplica – fl. 64) que no contrato nº 392/2008 constou equivocadamente que o trigo contratado seria de safra 2008, de sorte que a recusa do réu quanto aos dois contratos, com base em uma única análise/exame dos grãos era perfeitamente aceitável e lícita, posto que não lhe seria exigível que retirasse e pagasse mais uma carga do mesmo grão – safra 2007 – para poder exercer o direito de recusa.

Assim, não há como acolher a tese de descumprimento contratual por parte da empresa-ré – justamente porque não concretizados os contratos! E, por consequência, prejudicada a discussão acerca da oscilação de mercado de preço do produto, bem como dos prejuízos que a autora afirmou ter sofrido, posto que a não perfectibilização do negócio foi lícita.

1
OU, como no caso concreto, paga pela carga enviada, que é o que de fato aconteceu.

Sublinho, por fim, que não cabe à parte escolher qual o direito aplicável à espécie, bastando trazer os fatos para o crivo judicial, de sorte que a insurgência quanto aos dispositivos utilizados pelo magistrado a quo não merece guarida.

A propósito, a esse respeito, já ensinava Pontes de Miranda (“Comentários ao Código de Processo Civil, Tomo IV, 1ª. ed., p. 32):

O juiz há de conhecer a lei; iure novit cúria. Está ali para dizer o direito, para aplicar o direito que incidiu. Narra mihi factum, narro tibi ius’. Por isso mesmo, não importa se a parte cita um texto e depois outro, ou declara que tem dúvida sobre qual dos textos há de invocar, se um dos que aponta ou todos justificam o seu direito. [...]

A tradição do direito brasileiro, desde os primeiros tempos, é a de que as partes podem deixar de alegar a lei, e o juiz tem de aplicá-la, ainda que não a tenham invocado. Nos enunciados sobre fatos é que o juiz não pode suprir.

Quanto ao recurso adesivo, sustenta o recorrente que deve ser majorada a verba honorária fixada em primeira instância, devendo ser levado em conta que o advogado é profissional essencial à administração da Justiça.

Os honorários foram arbitrados em R$ 750,00 (setecentos e cinquenta reais).

Com efeito, há de se considerar as diretrizes do § 4º do precitado dispositivo processual, o qual estabelece a fixação da verba honorária por equidade, considerando o valor atribuído à causa, de modo a não aviltar o exercício profissional da atividade advocatícia, indispensável à administração da justiça, resultando em uma remuneração não condizente com a qualificação profissional.

Assim, atentando para as circunstâncias dos autos, que versa sobre indenização por resilição injustificada de contrato de compra e venda de trigo, o valor atribuído à causa (R$ 114.764,70), o tempo decorrido desde o ajuizamento da demanda (cerca de quatro anos), a necessidade de dilação probatória e o trabalho desenvolvido pelo profissional, entendo que comporta majoração a verba honorária para o valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais).

À vista do exposto, voto no sentido de desprover o apelo e de prover o recurso adesivo, para o fim de majorar a verba honorária para R$ 5.000,00 (cinco mil reais), montante que deverá ser atualizado monetariamente pelo IGP-M, a contar desta data, e acrescido de juros de mora de 1% ao mês, a contar do trânsito em julgado.

DES. LEONEL PIRES OHLWEILER (REVISOR) - De acordo com o(a) Relator(a).

DESA. MARILENE BONZANINI (PRESIDENTE) - De acordo com o(a) Relator(a).



DESA. MARILENE BONZANINI - Presidente - Apelação Cível nº 70039429790, Comarca de Erechim: "DESPROVERAM O APELO E PROVERAM O RECURSO ADESIVO. UNÂNIME."





Julgador(a) de 1º Grau: LUIS GUSTAVO ZANELLA