Juízes, idade mínima e reflexos nas decisões
Por Vladimir Passos de Freitas
A idade mínima para ser juiz e os reflexos no comportamento e nas decisões é tema tratado sem maior profundidade.
As Constituições de 1824 e de 1891 não fixaram idade mínima para ser juiz. Todavia, o Decreto 848, de 1890, que organizou a Justiça Federal, exigia no artigo 14 formação em Direito e quatro anos de prática. A Constituição de 1934 fixou, no artigo 80, em 30 anos a idade para ser juiz federal. As Cartas Magnas de 1937, 1946, 1967 e 1988 foram omissas. Mas a partir da EC 45/2004 o artigo 93, parágrafo 1º da CF, passou a exigir três anos de atividade jurídica.
Não é comum que Constituições estabeleçam tal tipo de detalhe. Reservam-se para os princípios e deixam que a lei ordinária fixe os parâmetros. Por isso, exemplificando, as Cartas da Argentina (1994), Colômbia (2006), Costa Rica (1949) nada dispõem a respeito. A do Uruguai (1997) estabelece no artigo 245, 1º, que 28 anos de idade será o mínimo para quem ingressa na carreira judicial.
A retrospectiva histórica é necessária. Afinal, o mundo e a sociedade se transformam permanentemente. Costumes, trajes, clima, cidades, economia, política, tudo muda constantemente. Envolvidos na luta diária pela vida, nem sempre nos damos conta.
Pensando nos jovens estudantes de Direito, darei três exemplos da total transformação, tomando por base o ano em que me formei (1968): o estagiário trabalhava de terno e gravata, concursos para promotor de Justiça tinham em torno de 400 a 800 candidatos e muitas cidades tinham um ou dois advogados, algumas nenhum.
No campo dos costumes o câmbio foi maior. Para comprar uma camisinha, salientava-se o polegar da mão direita, em um código masculino que contava com a cumplicidade do funcionário da farmácia. Hoje, a TV prepara as pessoas para o carnaval com uma música que diz “Sem camisinha não dá”,
Pois bem, se o mundo é outro como deverão ser os juízes? Os mesmos da Velha República, sérios, de terno escuro, bigodes zelosamente cuidados e esquivos no trato para evitar qualquer comprometimento? Não, lógico que não.
Atualmente, os juízes e as juízas — elas já vão se tornando maioria — são pessoas de seu tempo. Sem prejuízo de dedicar-se às funções, nas horas vagas são jovens como outros quaisquer. Malham em academia, surfam, vão ao cinema (onde muitos não abrem mão da pipoca). Nada de mais nisto tudo.
Nesta fascinante mudança do mundo, da máquina de escrever ao processo eletrônico, a vida, a saúde e a maturidade das pessoas também mudaram.
No passado, a infância ia até os 12 anos, quando o menino trocava calças curtas pelas compridas, em um silencioso ritual de passagem. A partir daí, dele exigia-se mais seriedade. Muitos iam trabalhar em cartórios ou escritórios de advocacia. A adolescência chegava ao fim quando se servia o Exército. Com 20 anos ou pouco mais, casavam. As meninas, ao tornarem-se moças, aguardavam o casamento, com o enxoval já pronto e guardado com cuidado. Era muito raro trabalharem, exceto nas classes sociais mais necessitadas.
A velhice chegava aos 50. Homens, com roupas escuras. Mulheres, com vestidos de fundo negro e alguns traços de branco, coque no cabelo e óculos de aro arredondado. E deviam ser sérios. “Muito riso, pouco siso” dizia-se.
A mudança foi lenta, mas radical. Hoje, não é novidade alguma que a adolescência vai até mais tarde. Bem mais tarde. Alguns, aos 35 anos, insistem nas baladas, arrumar um emprego em Barcelona ou fazer mais uma faculdade. Evitam, assustados, a vida adulta. É raro uma família que não tenha personagens, de ambos os sexos, neste figurino.
Para Marina Paula Goulart de Mendonça, mestre em psicologia, “o período de moratória psicossocial, que tradicionalmente caracterizava a adolescência prolonga-se, justificando, em certa medida, o surgimento de um novo período desenvolvimental, com características particulares – a adultez emergente. Segundo Arnett, o adiamento dos papeis de adulto liberta os jovens de uma série de responsabilidades que, junto com um menor controlo parental, fazem com que esta seja uma das etapas mais voláteis do desenvolvimento humano.”[i]
É a chamada Geração Y que “desenvolveu-se numa época de grandes avanços tecnológicos e prosperidade econômica. Os pais, não querendo repetir o abandono das gerações anteriores, encheram-nos de presentes, atenções e atividades, fomentando a autoestima de seus filhos. Eles cresceram vivendo em ação, estimulados por atividades, fazendo tarefas múltiplas. Acostumados a conseguirem o que querem, não se sujeitam às tarefas subalternas de início de carreira e lutam por salários ambiciosos desde cedo.”[ii]
No entanto, a entrada na magistratura continua quase a mesma de 100 anos atrás, ligeiramente alterada pela exigência de três anos de atividade jurídica. Ligeiramente, sim, porque os três anos, para alguém que se forma com 22 ou 23, é pouco, quase nada. Nos três anos pós-formatura, o candidato se dedica aos estudos nos enormes programas de concurso.
Experientes advogados não se candidatam. Não têm tempo de estudar, envolvidos com a atividade profissional e a família. Portanto, salvo honrosas exceções, os concursos da magistratura passaram a ser para jovens de classe média ou alta, que podem aguardar a passagem do tempo estudando.
A afirmativa sempre suscita a lembrança de alguém que entrou jovem e é exemplar. Concordo e poderia citar alguns. Mas normas não existem para exceções.
O que se nota hoje é que muitos jovens, pela pouca maturidade, não compreendem exatamente o alcance político e social de suas funções, conhecem pouco da vida, muitos não sabem o que é um ônibus, poucos sabem as necessidades dos pobres e não raramente têm dificuldades no relacionamento, criando atritos inúteis e sofrimento.
Não é razoável alguém, com pouca ou nenhuma vivência, decidir complexas questões de família, liberdade de presos perigosos, licitações vultosas ou complexas questões ambientais envolvendo economia e meio ambiente.
Não basta cultura jurídica, já provada com a aprovação. Nem fundamentar a decisão na Constituição de 1988, que tudo promete e não dá meios para cumprimento. É necessário mais. Maturidade, conhecimento da vida, controle das emoções. Afinal, o juiz é quem decide, é quem dá a palavra final. A responsabilidade é maior.
Na minha visão, 30 anos de idade no dia da abertura do concurso para ingresso na magistratura seria a solução. Nem mais, nem menos. Idade adequada ao mundo atual e ao prolongamento da adolescência. Sem espaço para interpretações, como está ocorrendo com os três anos de atividade jurídica, que estão alimentando recursos, ações judiciais e problemas insolúveis (v.g., lista de antiguidade de quem entrou depois, por decisão judicial).
Esta é a minha opinião. Sei que ela desagrada muita gente. Mas deixo claro, nada tenho contra os jovens ou contra os cursos preparatórios. Só estou pensando no Brasil.
segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011
terça-feira, 1 de fevereiro de 2011
J'ACUSE
Eu concordo com cada palavra, ponto e vírgula...
J'ACUSE!!!!
(Eu acuso)
(Tributo ao professor Kássio Vinícius Castro Gomes)
" Mon devoir est de parler, je ne veux pas être
complice." (Émile Zola)
"Meu dever é falar, não quero ser cúmplice. (...)" (Émile Zola)
Foi uma tragédia fartamente anunciada. Em milhares de
casos, desrespeito. Em outros tantos, escárnio. Em Belo Horizonte, um
estudante processa a escola e o professor que lhe deu notas baixas,
alegando que teve danos morais ao ter que virar noites estudando para
a prova subsequente. (Notem bem: o alegado “dano moral” do estudante
foi ter que... estudar!).
A coisa não fica apenas por aí. Pelo Brasil afora,
ameaças constantes. Ainda neste ano, uma professora brutalmente
espancada por um aluno. O ápice desta escalada macabra não poderia ser
outro.
O professor Kássio Vinícius Castro Gomes pagou com sua
vida, com seu futuro, com o futuro de sua esposa e filhas, com as
lágrimas eternas de sua mãe, pela irresponsabilidade que há muito vem
tomando conta dos ambientes escolares.
Há uma lógica perversa por trás dessa asquerosa
escalada. A promoção do desrespeito aos valores, ao bom senso, às
regras de bem viver e à autoridade foi elevada a método de ensino e
imperativo de convivência supostamente democrática.
No início, foi o maio de 68, em Paris: gritava-se nas
ruas que “era proibido proibir”. Depois, a geração do “não bate, que
traumatiza”. A coisa continuou: “Não reprove, que atrapalha”. Não dê
provas difíceis, pois “temos que respeitar o perfil dos nossos
alunos”. Aliás, “prova não prova nada”. Deixe o aluno “construir seu
conhecimento.” Não vamos avaliar o aluno. Pensando bem, “é o aluno que
vai avaliar o professor”. Afinal de contas, ele está pagando...
E como a estupidez humana não tem limite, a avacalhação
geral epidêmica, travestida de “novo paradigma” (Irc!), prosseguiu a
todo vapor, em vários setores: “o bandido é vítima da sociedade”,
“temos que mudar ‘tudo isso que está aí’; “mais importante que ter
conhecimento é ser ‘crítico’.”
Claro que a intelectualidade rasa de pedagogos de
panfleto e burocratas carreiristas ganhou um imenso impulso com a
mercantilização desabrida do ensino: agora, o discurso anti-disciplina
é anabolizado pela lógica doentia e desonesta da paparicação ao aluno
– cliente...
Estamos criando gerações em que uma parcela considerável
de nossos cidadãos é composta de adultos mimados, despreparados para
os problemas, decepções e desafios da vida, incapazes de lidar com
conflitos e, pior, dotados de uma delirante certeza de que “o mundo
lhes deve algo”.
Um desses jovens, revoltado com suas notas baixas,
cravou uma faca com dezoito centímetros de lâmina, bem no coração de
um professor. Tirou-lhe tudo o que tinha e tudo o que poderia vir a
ter, sentir, amar.
Ao assassino, corretamente , deverão ser concedidos
todos os direitos que a lei prevê: o direito ao tratamento humano, o
direito à ampla defesa, o direito de não ser condenado em pena maior
do que a prevista em lei. Tudo isso, e muito mais, fará parte do
devido processo legal, que se iniciará com a denúncia, a ser
apresentada pelo Ministério Público. A acusação penal ao autor do
homicídio covarde virá do promotor de justiça. Mas, com a licença
devida ao célebre texto de Emile Zola, EU ACUSO tantos outros que
estão por trás do cabo da faca:
EU ACUSO a pedagogia ideologizada, que pretende
relativizar tudo e todos, equiparando certo ao errado e vice-versa;
EU ACUSO os pseudo-intelectuais de panfleto, que
romantizam a “revolta dos oprimidos”e justificam a violência por parte
daqueles que se sentem vítimas;
EU ACUSO os burocratas da educação e suas cartilhas do
politicamente correto, que impedem a escola de constar faltas graves
no histórico escolar, mesmo de alunos criminosos, deixando-os livres
para tumultuar e cometer crimes em outras escolas;
EU ACUSO a hipocrisia de exigir professores com mestrado
e doutorado, muitos dos quais, no dia a dia, serão pressionados a dar
provas bem tranqüilas, provas de mentirinha, para “adequar a avaliação
ao perfil dos alunos”;
EU ACUSO os últimos tantos Ministros da Educação, que em
nome de estatísticas hipócritas e interesses privados, permitiram a
proliferação de cursos superiores completamente sem condições,
freqüentados por alunos igualmente sem condições de ali estar;
EU ACUSO a mercantilização cretina do ensino, a venda de
diplomas e títulos sem o mínimo de interesse e de responsabilidade com
o conteúdo e formação dos alunos, bem como de suas futuras missões na
sociedade;
EU ACUSO a lógica doentia e hipócrita do aluno-cliente,
cada vez menos exigido e cada vez mais paparicado e enganado, o qual,
finge que não sabe que, para a escola que lhe paparica, seu boleto
hoje vale muito mais do que seu sucesso e sua felicidade amanhã;
EU ACUSO a hipocrisia das escolas que jamais reprovam
seus alunos, as quais formam analfabetos funcionais só para maquiar
estatísticas do IDH e dizer ao mundo que o número de alunos com
segundo grau completo cresceu “tantos por cento”;
EU ACUSO os que aplaudem tais escolas e ainda trabalham
pela massificação do ensino superior, sem entender que o aluno que ali
chega deve ter o mínimo de preparo civilizacional, intelectual e
moral, pois estamos chegando ao tempo no qual o aluno “terá direito”
de se tornar médico ou advogado sem sequer saber escrever, tudo para o
desespero de seus futuros clientes-cobaia;
EU ACUSO os que agora falam em promover um “novo
paradigma”, uma “ nova cultura de paz”, pois o que se deve promover é
a boa e VELHA cultura da “vergonha na cara”, do respeito às normas, à
autoridade e do respeito ao ambiente universitário como um ambiente
de busca do conhecimento;
EU ACUSO os “cabeça – boa” que acham e ensinam que
disciplina é “careta”, que respeito às normas é coisa de velho
decrépito;
EU ACUSO os métodos de avaliação de professores, que se
tornaram templos de vendilhões, nos quais votos são comprados e
vendidos em troca de piadinhas, sorrisos e notas fáceis;
EU ACUSO os alunos que protestam contra a impunidade dos
políticos, mas gabam-se de colar nas provas, assim como ACUSO os
professores que, vendo tais alunos colarem, não têm coragem de aplicar
a devida punição;
EU VEEMENTEMENTE ACUSO os diretores e coordenadores que
impedem os professores de punir os alunos que colam, ou pretendem que
os professores sejam “promoters” de seus cursos;
EU ACUSO os diretores e coordenadores que toleram
condutas desrespeitosas de alunos contra professores e funcionários,
pois sua omissão quanto aos pequenos incidentes é diretamente
responsável pela ocorrência dos incidentes maiores;
Uma multidão de filhos tiranos que se tornam alunos
-clientes, serão despejados na vida como adultos eternamente
infantilizados e totalmente despreparados, tanto tecnicamente para o
exercício da profissão, quanto pessoalmente para os conflitos,
desafios e decepções do dia a dia.
Ensimesmados em seus delírios de perseguição ou de
grandeza, estes jovens mostram cada vez menos preparo na delicada e
essencial arte que é lidar com aquele ser complexo e imprevisível que
podemos chamar de “o outro”.
A infantilização eterna cria a seguinte e horrenda
lógica, hoje na cabeça de muitas crianças em corpo de adulto: “Se eu
tiro nota baixa, a culpa é do professor. Se não tenho dinheiro, a
culpa é do patrão. Se me drogo, a culpa é dos meus pais. Se furto,
roubo, mato, a culpa é do sistema. Eu, sou apenas uma vítima. Uma
eterna vítima. O opressor é você, que trabalha, paga suas contas em
dia e vive sua vida. Minhas coisas não saíram como eu queria. Estou
com muita raiva. Quando eu era criança, eu batia os pés no chão. Mas
agora, fisicamente, eu cresci. Portanto, você pode ser o próximo.”
Qualquer um de nós pode ser o próximo, por qualquer
motivo. Em qualquer lugar, dentro ou fora das escolas. A facada
ignóbil no professor Kássio dói no peito de todos nós. Que a sua morte
não seja em vão. É hora de repensarmos a educação brasileira e
abrirmos mão dos modismos e invencionices. A melhor “nova cultura de
paz” que podemos adotar nas escolas e universidades é fazermos as
pazes com os bons e velhos conceitos de seriedade, responsabilidade,
disciplina e estudo de verdade.
Igor Pantuzza Wildmann
Advogado – Doutor em Direito. Professor universitário.
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