DIREITO CIVIL – OBRIGAÇÕES –
Prof. Geraldo Doni Júnior
DO PAGAMENTO POR CONSIGNAÇÃO.
1) - Conceito; 2 – Direito e dever; 3) – (Natureza jurídica (direito substantivo e direito adjetivo); 4) – Requisitos; 5) – Citação do credor; 6) – Levantamento do depósito; 7) – Débito de coisa certa; 8) – Débito de coisa indeterminada; 9) - Da consignação em parcelas; 10) - Efeitos da sentença –.
1. Conceito
Nas lições de José Cretella Jr. e de José José Cretella Neto , o pagamento consiste na execução voluntária da obrigação ou na entrega ao credor da prestação devida. No entanto, outras maneiras de extinção de obrigação existem, são as doutrinariamente chamadas de pagamento indireto, onde, a rigor, os autores não situam a consignação.
Contrariamente àquela orientação, entendemos ser o Pagamento por Consignação, uma forma indireta de pagamento, liberatório do devedor, que com o auxilio do poder judiciário possibilita ao devedor desvencilhar-se do vínculo que o une ao credor, livrando-o do inadimplemento e consequentemente da mora.
Daí, no dizer de Orlando Gomes , ser o pagamento por consignação uma das modalidades especiais de pagamento, juntamente com a sub-rogação e a dação em pagamento.
2. Direito e dever.
O pagamento é um dever jurídico e a obrigação é um vínculo transitório. Assim, o credor tem o direito de receber e o devedor tem o direito de pagar. O primeiro quer se ver ressarcido daquilo que lhe é devido e o segundo quer se ver livre do vínculo jurídico que o prende ao credor.
Todavia existem circunstâncias que podem obstar o pagamento:
I- A recusa do credor em receber o pagamento, sem justa causa, ou ainda, em dar a quitação na forma devida. É o caso do locador que se recusa a receber o aluguel, alegando razões, cujo cunho final seria o de forçar uma rescisão contratual. Ou então, quando o locador não se recusa em receber, mas sim, em dar a devida quitação.
II - No caso das dívidas quesíveis, se o credor não for, nem mandar receber a coisa no lugar, tempo e condições devidas. Como se sabe, a regra geral se nada for convencionado em contrário, é a de que incumbe ao credor buscar o pagamento no domicílio do devedor (art.327, CC), sob pena de incorrer em “mora accpiendi”.
III- Se o credor for incapaz de receber, estiver declarado ausente, ou residir em lugar incerto, ou de acesso perigoso ou difícil.
IV- Se ocorrer dúvida sobre quem deva legitimamente receber o objeto do pagamento.
V- se pender litígio sobre o objeto do pagamento.
A priori, convém lembrar que a ausência deve ser declarada por sentença judicial (Art. 37 do CC) / .
Álvaro V. de Azevedo ensina : “lugar incerto é o que não se pode precisar. Idealizem que o devedor procure o credor e não o encontrando, é informado pelos vizinhos de que ele se mudou para outra cidade, sem que, todavia possam esses vizinhos fornecer o seu endereço”.
Leciona, ainda, o mesmo autor (ob. citada), que, se o lugar for de acesso perigoso, arrisca-se o devedor para chegar até lá, ou porque esteja em local dizimado por uma peste ou por outro motivo qualquer, que oponha obstáculos à visita normal do devedor.
Da mesma forma se o local for de difícil acesso, significando dizer, que a locomoção até ele não se faz pelos meios normais, inexistindo, por exemplo, estradas transitáveis até o lugar do pagamento.
Se houver dúvida sobre quem deva legitimamente receber a coisa, deve o devedor consignar, sob pena de pagar duas vezes. É o caso de dois irmãos que se dizem herdeiros do “de cujus” recentemente falecido.
Álvaro V. de Azevedo alerta: Pode acontecer, ainda, que sobre o objeto a ser pago penda litígio, em que um terceiro pretenda sobre ele exercer direitos, situação em que o devedor depositará esse objeto, judicialmente por meio de consignação.
O litígio pressupõe controvérsia entre credor e terceiro a respeito do objeto da prestação. Nessa hipótese cumpre ao devedor consignar a coisa a fim de que o juiz decida quem deve receber.
E mais.
Instaurando-se concurso creditório contra o credor, ante seu estado de insolvência, a consignatória é impositivo legal para a liberação do credor.
Sendo o credor incapaz e não tendo representante legal, para representá-lo ou assisti-lo no ato de receber, a solução é ainda a consignatória.
Nas hipóteses acima delineadas, pode o credor depositar judicialmente o pagamento, mediante a ação consignatória, posto que tal depósito é tido como pagamento e pode extinguir a obrigação.
3.Natureza Jurídica
A Consignação em Pagamento, é de natureza dúplice, por isso dizer-se que sua natureza jurídica é híbrida ou mista, tanto pertence ao direito substantivo (direito civil), como ao direito adjetivo (direito processual civil).
O Código Civil (art. 334), prevê a possibilidade de o devedor optar por depósitos bancários, tratando-se de obrigação em dinheiro, previsão esta elencada também no Código de Processo Civil, em seu artigo 890.
4. Para que a Consignação produza efeitos é necessário:
1- que se faça por pessoa capaz ou habilitada a pagar;
(Silvio Rodrigues assevera ser procedente o depósito feito pelo sublocatário adquirente de farmácia montada no prédio, pois, embora se trate de terceiro, tem ele interesse no prosseguimento da locação) ;
2 - que seja proposta contra o credor ou seu representante;
3 - que compreenda a totalidade da dívida líquida e exigível, com os juros e acessórios se houver. No caso de obrigações de dar coisa certa, esta deve ser íntegra e na quantidade devida;
4 que estejam cumpridas as condições contratadas, se a dívida for condicional, ou vencido o prazo, se se estipulou em favor do credor. Podendo, segundo Silvio Rodrigues, ser enjeitada se o retardamento tornou inútil a prestação para o credor, pois aí se caracteriza o inadimplemento absoluto ;
5 que se faça ante o juízo competente, ou na forma prevista no artigo 890 do Código de Processo Civil em seus parágrafos;
6 Seja requerida no lugar do pagamento (art. 337 CC).
Ficando claro, como leciona João Bosco Cavalcanti Lana , que a consignação com força liberatória precisa reunir os requisitos exigidos para o pagamento direto.
5. Da citação do credor
O art. 893 e segs. do C.P.C. determina a citação do credor, para vir ou mandar receber, ou então oferecer resposta.
O depósito será deferido pelo juízo antes do ato que determina a citação do réu, sendo desnecessária a sua intimação prévia.
Se citado, o réu comparece em juízo no dia e hora determinados e recebe, a questão estará encerrada, e o devedor liberado da obrigação. Porém, se o credor não comparece em juízo, ou se recusa a receber, estabelece-se o contraditório com a coisa ofertada sendo depositada, quando será então decidida a procedência ou não do pedido de depósito por parte do devedor.
Para o caso de a sentença dar como procedente a ação consignatória, esta valerá como quitação, liberando o devedor e resolvendo a obrigação (art. 334 do CC).
O caráter formal está patente na necessidade de se observarem todos os trâmites. Feito, por exemplo, o oferecimento, sem que lhe siga o depósito da coisa ou quantia devida, não produz os efeitos de consignação, e o devedor pode ser constituído em mora, ao mesmo passo que, e ao revés, não começa ela a correr contra o credor .
6 – Levantamento do depósito
Os arts. 338 a 340 do nosso Código Civil, tratam do levantamento do depósito efetuado pelo devedor.
Vê-se a “prima facie”, que enquanto o credor não declarar que aceita o depósito ou não contestá-lo, poderá o devedor requerer o levantamento, pagando as respectivas despesas, no entanto, deverá arcar com as conseqüências da sua atitude, posto que a obrigação subsistirá para todos os efeitos jurídicos que sua mora der causa.
Saliente-se, no entanto, que esta não é a única hipótese em que o devedor pode requerer o levantamento da coisa ou quantia depositada. Pode ocorrer que, depois da aceitação da coisa pelo credor ou contestada a lide, concorde o credor com o seu levantamento.
O artigo 339 do Código Civil determina ser impossível o levantamento do depósito depois de julgada procedente a consignação.
Se o credor concordar com o levantamento e na hipótese existirem co-devedores (fiadores, avalistas etc), este perde a preferência e a garantia que lhe competiam com respeito à coisa consignada como também, os co-devedores da obrigação quedam-se desobrigados, desde que não concordem com o levantamento, rompendo o elo obrigacional que os prendia à obrigação.
É bom salientar que na hipótese citada acima, surge uma nova dívida, que substitui a anterior, ocorrendo a chamada novação, divida esta que não se confunde com a anterior e por conseqüência as garantias do débito anterior já não mais existem.
No caso de o depósito ser aceito pelo credor, a dívida se extingue e é justamente neste momento que a consignação tem efeito de pagamento.
7- Débito de Coisa Certa
O art. 341 do Código Civil deve ser entendido em consonância com o dispositivo inserido ao art. 891, § único do CPC . Cuida ele de obrigação de dar coisa certa e que deve ser entregue no mesmo lugar em que está, especialmente se a prestação consistir na entrega de um imóvel ou for a ela relativa. Lacerda de Almeida apudr Darcy A Miranda (ob citada), ensina em comentário ao artigo que: “Coisas há, portanto, que, por natureza, só tem um lugar de entrega, aquele onde estão”...
Segundo Clóvis Beviláqua, “se a coisa certa estiver em lugar diferente daquele que tenha de ser entregue, correm por conta do devedor as despesas de transporte. Somente depois de achar-se a coisa no lugar, em que se há de entregar, é que se fará a intimação, ou a consignação”.
Conforme regra geral o pagamento deve ser prestado no domicílio do devedor (dívidas quesíveis), situação que sofre exceções ligadas às circunstâncias, à natureza da obrigação ou à lei (art. 327 do CC). Nesse caso, faculta a lei ao devedor mandar citar o credor para vir ou mandar receber a prestação, sob pena de, nada fazendo ser ela depositada em juízo.
Se a coisa for depositada, abre-se prazo para a impugnação ( v. CPC, art. 891 e parágrafo único).
Recebida a coisa, a obrigação estará extinta.
Nada impede que o devedor, ao invés de mandar citar o credor, providencie de logo a consignação da coisa, deixando a mora por conta deste .
8- Débito de Coisa Indeterminada
Não existe débito de coisa indeterminada, como se sabe, o objeto deve ao menos ser determinável, além de ser lícito e possível. Portanto a terminologia utilizada pelo legislador no art. 342 do CC é errônea. Preferimos entender a coisa como incerta, pois como já visto, falta-lhe apenas a qualidade, posto já existir no mundo jurídico a quantidade e o gênero, ou melhor, dizendo a espécie.
Faltando à coisa devida apenas que lhe seja definida a sua qualidade, uma vez que a sua espécie e quantidade já estão determinadas, deverá ela ser entregue na sua forma intermediária, ou seja, a qualidade da coisa devida não deve ser a melhor, tampouco a pior, deve ser média. Como exemplifica Álvaro V. de Azevedo (ob.Cit): “Se alguém promete entregar a outrem uma saca de café (uma saca – quantidade, de café – espécie) falta ao objeto, tão-só, a qualidade, que, já vimos, diz a lei, não pode ser nem pior, nem melhor, mas deve ser intermediária”.
Diante do exposto, claro está que se couber ao devedor a escolha da coisa a ser consignada, deverá ele escolher aquela de qualidade mediana, não sendo necessário que deposite a melhor, porém, não pode depositar a pior.
Feita a escolha pelo devedor, não tem ele necessidade de mandar citar o credor.
O Código de Processo Civil, por seu lado, determina que, se a escolha couber ao credor, deverá ele dentro em cinco dias, a contar de a sua citação exercer seu direito de escolha, se não houver outro prazo determinado por lei ou contrato que o determine.
Se o credor não comparecer no prazo determinado, o prazo de escolha será restituído ao devedor. Após efetivada a escolha a regra válida é a do art. 341 do CC.
9- Prestações Periódicas
Com relação às prestações periódicas, o art. 892 do CPC faculta ao devedor, uma vez consignada a primeira, continuar depositando as demais, desde que o deposito se verifique até o quinto dia seguinte à data do vencimento da prestação.
10- Efeitos Da Sentença
Julgada procedente a ação consignatória, considera-se paga a prestação, cessando assim todos os efeitos da obrigação principal, inclusive os acessórios que a acompanham, tais quais os juros moratórios, riscos de perda e deterioração da coisa, as eventuais relações incidentes diretamente sobre a coisa, tais quais as “ex locato” referente ao aluguel. Assim, se o depósito das chaves por parte do locatário foi tido como procedente, extingue-se a relação entre locador e locatário, caso contrário, a relação perdura e os alugueres e seus incidentes são devidos desde a data da propositura da ação e durante toda a lide.
Perdida a ação consignatória, o devedor será responsabilizado pelas despesas processuais, custas e honorários sucumbenciais.
Art. 345 do CC. A ação de consignação, em regra, é privativa do devedor que pretende exonerar-se da obrigação. Excepcionalmente, em caso de litígio entre credores sobre o objeto da dívida, poderá a consignatória ser proposta por um dos credores litigantes, logo que se vencer a dívida, ficando de logo exonerado o devedor e permanecendo a coisa depositada até que se decida quem é o legítimo detentor do direito creditório.
QUESTÕES
1 – Conceitue a Consignação em pagamento.
2 – Qual a natureza jurídica da Consignação?
3 - Quando e como é possível consignar em estabelecimento bancário?
4 – Quais as hipóteses de pagamento fixadas no CC?
5 – Quais os requisitos de validade do pagamento por consignação?
6 - Pode o devedor levantar o depósito após haver consignado o débito em juízo? Quais as conseqüências?
7 – Diferencie a consignação entre a coisa certa e a coisa incerta.
8 – A quem cabe as despesas da consignação?
9 – Como se procede na consignação de prestações periódicas?
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terça-feira, 14 de outubro de 2014
DA MORA
DIREITO CIVIL –
Prof. Geraldo Doni Júnior
DA MORA
1- Conceito; 2- Mora do Devedor; 3 - Pressupostos da Mora do Credor; 4 - Da culpa e das Excludentes da Mora; 5 - Mora do Credor; 6 - Purgação da Mora.
1- CONCEITO
Mora, num conceito simplificado, significa demora, retardamento, atraso, injusto ou proposital na execução da obrigação com relação ao tempo, lugar, forma ou modo convencionados;
Devemos nos ater à noção jurídica da mora, posto que ela ultrapassa os limites do retardamento, não se contentando apenas com a medida do tempo para o pagamento, mas também, quando não se atende ao lugar onde ele deva ser realizado e ao modo de cumprimento da obrigação.
Segundo Silvio Rodrigues (ob.Cit., p. 268), “o descumprimento da obrigação pode ser relativo ou absoluto. No primeiro caso, dá-se a mora quando a obrigação não foi cumprida em tempo, lugar e forma devidos, porém, ainda assim o pagamento foi proveitoso para o credor. Quando a obrigação não foi cumprida nem poderá sê-lo, proveitosamente, para o credor, dá-se o inadimplemento absoluto” (grifamos).
Vemos aí, que no descumprimento relativo, mesmo que a obrigação não seja cumprida como convencionado, de uma maneira ou de outra ela será adimplida, ao passo que no descumprimento absoluto ela não foi e nem será cumprida.
Tanto o devedor, como o credor podem incorrer em mora.
A mora do credor denomina-se mora accipiendi ou credendi, ocorre quando de alguma maneira o credor obstaculiza o recebimento da obrigação, no tempo, lugar e modo convencionados. Washington de Barros entende que “incorre em mora o credor, se se recusa a receber o pagamento no tempo e lugar indicados no título constitutivo da obrigação, exigindo-o de forma diferente ou pretendendo que a obrigação se realize de modo diverso” ( Washington de Barros Monteiro – in Curso de Direito Civil, 4ºvol., 29ª ed. Saraiva, p.266).
A mora do devedor é chamada de mora solvendi ou debendi, ocorre quando este não satisfaz a tempo a obrigação, ou não a realiza no local convencionado, ou então não a cumpre do modo a que se obrigara.
Devemos considerar que na mora solvendi, como na accipiendi, apresenta-se um fato humano, intencional ou não intencional, que gera a imperfeição no cumprimento. Atente-se também para o fato de que o artigo 394 do C.C., não menciona se incorre em mora o devedor culposo ou não, porisso o artigo supramencionado deve ser conjugado com o art. 963 do mesmo Codex e que dispõe:
“Não havendo fato ou omissão imputável ao devedor, não incorre este em mora”.
Observamos então, que exclui-se da noção de mora o fato inimputável, o fato das coisas, o acontecimento atuante no sentido de obstar a prestação, o fortuito e a força maior, que impedem o cumprimento .A escusativa tem sua prova colocada sobre os ombros daquele a quem aproveita. (grifamos)
Portanto, a mora pressupõe sempre um retardamento injusto imputável ao devedor : culpa non carens
2- MORA DE DEVEDOR
O art. 394 do Código Civil, refere-se à mora no pagamento, significando este, PAGAMENTO, não só no sentido pecuniário, mas no sentido amplo da expressão, de modo a abranger as obrigações em geral ( dar, fazer e não fazer).
O inadimplemento ou inexecução é o descumprimento da obrigação, que pode ser total ou parcial, como no caso de perecimento do objeto, da falta absoluta do pagamento ou ainda, quando embora o pagamento realizado, não mais aproveite ao credor. Neste caso a inexecução da obrigação faz com que o devedor seja responsabilizado pelas perdas e danos.
Já se disse anteriormente que segundo os preceitos de direito civil, considera-se o devedor em mora a partir da data do vencimento da obrigação, independentemente de notificação, interpelação ou protesto ( art. 397 – CC), conforme estabelecia o princípio romano, dies interpellat pro homine ( o dia interpela pelo homem). Significando que, se a obrigação não foi cumprida na data aprazada, o devedor é considerado moroso e esta mora é denominada de mora ex re.
Há que se salientar, contudo, que nas obrigações referentes a imóveis, entende-se que a mora somente se constitui a partir de prévia notificação ou interpelação judicial ou extrajudicial, conforme determina o Dec. Lei 58 de 10.12.37 e o Dec. Lei 745 de 07.8.69. É a chamada mora ex persona onde dies non interpellat pro homine.
3 - PRESSUPOSTOS DA MORA DO DEVEDOR
Os pressupostos para que o devedor incorra em mora segundo Washington de Barros Monteiro são :
a) a existência de dívida positiva e líquida;
b) vencimento dela;
c) inexecução culposa por parte do devedor;
d) interpelação judicial ou extrajudicial deste, se a dívida não é a termo, com data certa.
A existência de dívida positiva e líquida significa dizer que a obrigação admite exigibilidade imediata, dada a sua liquidez e certeza.
Para que o devedor seja considerado em mora, é mister que o débito esteja vencido em razão de culpa do devedor e mais, se não houver prazo determinado para pagamento é necessário que o credor através do meios judiciais ou extrajudiciais tenha constituído o devedor em mora.
4 - DA CULPA E DAS EXCLUDENTES DA MORA.
A mora do devedor apresenta um lado objetivo e um lado subjetivo. O lado objetivo decorre da não realização do pagamento no tempo, lugar e forma convencionados, o lado subjetivo descansa na culpa do devedor . “A culpa é a essência da mora, ela se presume sempre, cabendo ao devedor provar que não houve fato ou omissão a ele imputável, mas sim uma impossibilidade motivada pelo próprio credor, ou por causa razoável que obstasse o pagamento, ou, ainda, por impossibilidade absoluta de cumprir a obrigação” .
Saliente-se, todavia, que a insolvência, ou a impossibilidade de obter dinheiro para pagar, não são justificativas para liberar o devedor da mora.
GIORGI explica satisfatoriamente a razão desse princípio: quem assume, ainda que de boa fé, uma obrigação superior às suas forças, ou quem não sabe conservar os meios para cumprir a obrigação assumida, está em culpa, e espera em vão poder subtrair-se aos efeitos jurídicos do inadimplemento imputável .
As obrigações naturais não abrigam o instituto da mora.
As dívidas vencidas em domingos e feriados, ficam adiadas para o primeiro dia útil imediato, impedindo a mora.
Manifestando o devedor a intenção de adimplir com a obrigação e por qualquer razão impeditiva comprovável, que obste o pagamento o não realize (art.396), não incidirá em mora. São, portanto, excludentes da mora o caso fortuito e a força maior.
Exemplificando: se o devedor à época do pagamento se encontrar preso, se a via de ligação entre o domicílio do devedor e o local de pagamento estiver interrompida, se estiver doente, são fatos que o impedem de realizar o pagamento independemente de culpa.
5-MORA DO CREDOR
Já vimos que a culpa é conceito básico na mora do devedor, basta que se analise os arts. 394 conjugado com o art. 396 do CC, para que não nos oponhamos à afirmativa. Sem a existência de negligência, imprudência ou dolo, não há mora.
A mora do credor, para que ocorra, exige que este sem uma causa justificável se recuse a receber o pagamento.
É um dever do credor aceitar a prestação e colaborar no seu cumprimento por parte do devedor.
Assim, por exemplo, não pode o credor furtar-se ao recebimento na data aprazada, tendo em vista eventuais oscilações da moeda. É seu dever na data do pagamento, estar no local designado para receber ou, se outra coisa não se convencionou dirigir-se ao domicílio do devedor para que este cumpra a sua obrigação.
Verifica-se a mora do credor, por conseguinte, não somente quando recusa a oferta do devedor, em tempo e lugar designados, senão também quando não intervém no momento oportuno e não torna possível, com a sua atividade o cumprimento da obrigação ( In J.M. Carvalho Santos, ob cit., cfr. CARMELO SCUTO, La mora del creditore, pág. 2, apud CARVALHO DE MENDONÇA, Tratado, cit., pág. 345, nota 2), já recusando o seu concurso preliminar e necessário à execução do negócio jurídico, como no caso em que não se manifesta quando lhe cabe o direito de opção ou escolha, ou não prepara as contas, já cumprindo mal o seu dever, como nos casos em que se nega o recibo em devida forma, ou recusa a restituição do título etc. (Carvalho Santos, ob. cit. p. 319, cfr. CARVALHO DE MENDONÇA, Tratado, cit.,n. 418).
O credor que recusar injustificadamente em receber o pagamento, deixa o devedor isento de responsabilidade, cessando os juros de mora, bem como os riscos atinentes à coisa, significando dizer que a deterioração do objeto sem culpa do devedor enquanto estiver em mora o credor, não será considerado ônus do devedor, até mesmo, se o credor receber a coisa no estado em que ela se encontra ou então aceitar a sua deterioração total.
Caso o devedor tenha tido gastos para manter a coisa íntegra, enquanto esta esteve em seu poder durante a mora do devedor, deverá o credor ressarcir o devedor de tais despesas é o que se depreende do art. 400 do CC.
Ainda seguindo os passos de Carvalho Santos (ob. citada), em síntese podemos salientar que, para que se caracterize a mora do credor são necessários:
a) que o devedor tenha feito a oferta do pagamento como combinado, ou tenha convidado o credor a prestar sua colaboração necessária para o adimplemento da obrigação ou;
b) que a oferta não tenha sido feita por fato imputável ao credor, como, por exemplo, nas dívidas quesíveis, em que o credor não comparece ou não manda representante no local determinado para receber o pagamento ou;
c) quando o credor se ausenta sem deixar pessoa qualificada para receber o pagamento ou;
d) quando o credor declarar de antemão que não aceitará o pagamento ou;
e) quando o credor exige mais, ou coisa diversa daquela contratada ou;
f) simplesmente, tenha o credor recusado a oferta sem motivo justo.
Em síntese, a mora do credor se caracteriza pela:
a) oferta do devedor;
b) a recusa do credor.
6 - PURGAÇÃO DA MORA
Como sabemos, tanto devedor como credor podem incorrer em mora.
Mora do devedor.
Purgar a mora, significa que o devedor deve oferecer ao credor o valor do débito, acrescido da importância dos prejuízos que esta mora deu causa desde a data do vencimento e a data da oferta
Mora do credor.
O credor purga a sua mora se oferecendo para receber a prestação, sujeitando aos efeitos da mora até a data, inclusive arcando com as despesas tidas pelo devedor com a manutenção da coisa desde a data determinada para o pagamento até a da sua aceitação.
Mora simultânea (credor e devedor), Antigo art. 959, III do Código Civil de 1916.
Dizia-se que a mora podia ser purgada por parte de ambos, renunciando aquele que se julgasse prejudicado nos direitos que da mesma lhe provieram.
Silvio Rodrigues, citando AGOSTINHO ALVIN quando censurava este artigo, ensinava que não pode haver mora de ambos os contratantes, pois a mora de um exclui a mora de outro. Se o devedor é moroso, o credor não pode sê-lo, e vice-versa.
Entendia o autor citado por Silvio que, o sentido da norma é outro. O legislador quis, decerto, dizer que a mora de um e de outro se purga pela renúncia, feita por seu contendor, dos direitos da mesma resultantes.
Em resumo, poderíamos dizer que o credor pode renunciar os direitos que a mora do devedor lhe confere, recebendo sem os acréscimos, quando o devedor pagar de maneira contrária à estabelecida, e da mesma forma pode assim agir o devedor quando ocorrer mora do credor.
MARCO AURÉLIO S. VIANNA (ob. citada), entende que, duas questões subsistem sobre a mora do devedor, uma delas, sobre se a purgação da mora depende do consentimento do credor e a outra, até que momento pode ser ela emendada (emendatio morae), para concluir que ambas caminham no sentido de que o devedor purgue a mora sem que se leve em conta a vontade do credor, sempre que a purgação não se choque com o direito adquirido por este de, por exemplo, rescindir o contrato se assim preferir.
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quinta-feira, 4 de setembro de 2014
PROFISSÃO PERIGOSA
Profissão perigosa
Publicado pela Revista Consultor Jurídico
OAB criará departamento para cuidar de casos de violência contra advogados
3 de setembro de 2014, 16:29
Durante reunião do Colégio de Presidentes de Seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil, que ocorreu em Brasília, o presidente da OAB Pará, Jarbas Vasconcelos (foto), pediu a criação de um departamento de atuação nacional e outro específico para cada seccional, para monitorar, controlar e acompanhar casos de violência contra advogados.
A proposta de Vasconcelos, aceita por unanimidade pelos demais colegas, será levada à deliberação na próxima sessão plenária do Conselho Federal da OAB, no dia 15 de setembro.
Em seu discurso, o presidente da OAB paraense lembrou que dezenas de advogados foram assassinados nos últimos anos devido ao exercício da profissão. “Trata-se da nossa liberdade profissional em jogo, algo de mais valioso que temos. Nossa liberdade sofre mais ataques do que a dos jornalistas, por exemplo. O fato é que ser advogado se tornou a atividade profissional mais perigosa do mundo, e o que temos visto é uma impossibilidade de preservar direitos quando o universo avança no sentido contrário, do cerceamento às liberdades”, disse.
Vasconcelos ressaltou que a OAB tem uma comissão nacional e uma procuradoria de defesa de prerrogativas, mas há carência de estatísticas sobre casos de violência. “Não temos um departamento que monitore estatisticamente todos os casos de violência contras as prerrogativas, inclusive assédio e, infelizmente, mortes. Não sei se alguma seccional consegue, mas hoje somos incapazes de responder certamente quanto aos casos de sequestros, assassinatos e outros crimes mês a mês, semana a semana”, afirmou. Com informações da assessoria de imprensa da OAB.
Revista Consultor Jurídico, 3 de setembro de 2014, 16:29
segunda-feira, 28 de abril de 2014
DA GESTÃO DE NEGÓCIOS – ARTS. 861 a 875 do CC
Pro. Geraldo Doni Júnior.
Aula – 28/4/2014.
1) É um ato unilateral que gera obrigação.
Segundo Clóvis: é a administração oficiosa de interesses alheios sem procuração.
Cuida-se evidentemente de gestão de negócios alheios.
2) Esse ato, atividade ou conduta é unilateral em sua origem. Ex. Empregado que passa a gerir empresa do patrão que desapareceu; exerce a administração; compra e vende, paga os empregados e os encargos sociais etc. O condômino de coisa indivisível, que cuida do bem em comum como se seu fosse e sem oposição dos demais, apenas prestando contas de sua gestão (recebimento de alugueres, arrendamentos etc).
Em princípio tem caráter altruístico. Não tem índole contratual.
3) É, portanto, intervenção em negócio alheio, sem autorização do titular, no interesse e de acordo com a vontade presumida deste.
4) O objetivo não se limita a atividades profissionais ou lucrativas. Inclui qualquer conduta em benefício e na preservação do patrimônio de outrem.
5) O critério é o da necessidade e não o da utilidade, questão que se afere posteriormente. Trata-se, pois, de atividade excepcional (VENOSA. CC Interpretado. Atlas. S.P. p. 789).
6) A Gestão de Negócios está ligada por semelhança e afinidade ao mandato.
7) Pressupostos necessários para a configuração da Gestão de Negócios:
a) tratar-se de negócio alheio;
b) atuação do gestor no interesse e vontade presumida do gerido (dono do negócio);
c) ausência de autorização;
d) inexistência de um acordo de vontades entre as partes;
e) limitação da ação a atos de natureza patrimonial (em regra atos de administração);
f) intervenção do gestor motivada por necessidade ou utilidade, buscando proveito para o dono;
g) vontade do gestor em gerir negócio alheio com o propósito de obrar com liberalidade em relação do dono (animus gerendi). (Capes, Fernando. Dir. Civil. Contratos. Saraiva. 2ª e. S.P).
8) A natureza jurídica da Gestão de Negócios é ato unilateral que constitui uma fonte de obrigação.
9) A Gestão de Negócios se distingue do Mandato porque: a) não existe acordo prévio de vontades, o gestor está na dependência da ratificação dos atos por ele praticados, ao passo que no mandato existe uma prévia manifestação de vontades das partes, o mandatário tem poderes para atuar em nome do mandante frente a terceiros. E mais, o mandante sempre estará subordinado às obrigações contraídas em seu nome pelo mandatário, se dentro dos poderes que outorgou.
A Gestão de Negócios terá como objeto tanto a prática de um negócio jurídico quanto execução de um ato material, já o Mandato terá por objeto a realização de um negócio jurídico.
10) Convém salientar, portanto, conforme alerta Capez, que não seria correto falar em gestão de negócios se alguém assumir a gerência de um negócio, com o conhecimento do dono e sem a desaprovação deste, no caso estaríamos diante do mandato tácito (art. 656 do CC).
11) Caso tratarmos de gestão iniciada contra a vontade manifesta do interessado, deverá, então, o gestor responder até pelos casos fortuitos, não provando que teriam sobrevindo, mesmo sem sua intervenção (art. 862 do CC). A tipificação é na realidade de ato ilícito. O dono do negócio poderá exigir que o estranho reponha as coisas no estado anterior (em princípio, ação para obrigação de fazer ou não fazer), ou indenize a diferença (Venosa. P. 790).
12) A intervenção do gestor no negócio alheio é circunstancial ou emergencial. Passada a emergência ou circunstância incumbe-lhe comunicar-se prontamente com o dono do negócio ou com quem o represente. Após a comunicação, deverá continuar com a gestão apenas pára evitar perecimento de direitos ou deterioração de patrimônio (Venosa. op. Cit.p. 791).
13) As principais obrigações do Gestor são:
As contidas nos artigos 861, 862, 864, 865, 866 e 867 e seu parágrafo único.
14) Ao dono do negócio cabem os direitos previstos nos art. 863 do CC, que é o de exigir que o gestor restitua as coisas ao estado anterior ou indenize a diferença caso a gestão tenha sido iniciada contra vontade manifesta ou presumível do interessado e os prejuízos da gestão venham a exceder o seu proveito), juntamente com os arts. 873 e 874 do CC, que é o direito de, após tomar ciência dos atos de gestão, confirmá-los ou desaprová-los.
15) Se o gestor se fizer substituir por outrem, ficarão responsáveis pela gestão os dois: o gestor e o substituto. Com o rigor da lei, o gestor deve ser mais cauteloso na escolha do substituto; o substituto mais cuidadoso em aceitar tal desiderato; e o dono do negócio ficará mais garantido (MALUF, Carlos Alberto Dabus. Novo Cód. Civil Comentado. Coordenação Ricardo Fiúza. 1ª e .Saraiva. p. 774). Lembrando, que no mandato a solidariedade não é presumida, deve resultar de estipulação expressa; na gestão, a solidariedade é expressa em lei.
16) Segundo preceito encartado no art. 868, caput, do CC, o gestor responderá pelo caso fortuito quando fizer operações arriscadas, porque somente o dono pode arriscar, ao gestor cabe administrar, e não especular, deve agir com prudência e moderação.
Continuamos na próxima aula.
quinta-feira, 30 de janeiro de 2014
STJ DEFINE VALOR DE INDENIZAÇÕES POR DANOS MORAIS
Notícias
15 setembro 2009
STJ define valor de indenizações por danos morais
Por muitos anos, uma dúvida pairou sobre o Judiciário e retardou o acesso de vítimas à reparação por danos morais: é possível quantificar financeiramente uma dor emocional ou um aborrecimento? A Constituição de 1988 bateu o martelo e garantiu o direito à indenização por dano moral. Desde então, magistrados de todo o país somam, dividem e multiplicam para chegar a um padrão no arbitramento das indenizações. O Superior Tribunal de Justiça tem a palavra final para esses casos e, ainda que não haja uniformidade entre os órgãos julgadores, está em busca de parâmetros para readequar as indenizações. Algumas decisões já mostram qual o valor de referência a ser tomado em casos específicos.
O assunto foi abordado em reportagem especial publicada pela Assessoria de Imprensa do STJ neste domingo (13/9). Segundo o texto, o valor do dano moral tem sido enfrentado no STJ sob a ótica de atender uma dupla função: reparar o dano para minimizar a dor da vítima e punir o ofensor, para que o fato não se repita. Como é vedado ao Tribunal reapreciar fatos e provas e interpretar cláusulas contratuais, o STJ apenas altera os valores de indenizações fixados nas instâncias locais quando se trata de quantia tanto irrisória quanto exagerada.
A dificuldade em estabelecer com exatidão a equivalência entre o dano e o ressarcimento se reflete na quantidade de processos que chegam ao STJ para debater o tema. Em 2008, foram 11.369 processos que, de alguma forma, debatiam dano moral. O número é crescente desde a década de 1990 e, nos últimos dez anos, somou 67 mil processos só no Tribunal Superior.
O ministro Luis Felipe Salomão, integrante da 4ª Turma e da 2ª Seção do STJ, é defensor de uma reforma legal em relação ao sistema recursal, para que, nas causas em que a condenação não ultrapasse 40 salários mínimos — por analogia, a alçada dos Juizados Especiais —, o recurso ao STJ seja barrado. “A lei processual deveria vedar expressamente os recursos ao STJ. Permiti-los é uma distorção em desprestígio aos tribunais locais”, critica o ministro.
Subjetividade
Quando analisa o pedido de dano moral, o juiz tem liberdade para apreciar, valorar e arbitrar a indenização dentro dos parâmetros pretendidos pelas partes. De acordo com o ministro Salomão, não há um critério legal, objetivo e tarifado para a fixação do dano moral. “Depende muito do caso concreto e da sensibilidade do julgador”, explica. “A indenização não pode ser ínfima, de modo a servir de humilhação à vítima, nem exorbitante, para não representar enriquecimento sem causa”, explica.
Para o presidente da 3ª Turma, ministro Sidnei Beneti, essa é uma das questões mais difíceis do Direito brasileiro atual. “Não é cálculo matemático. Impossível afastar um certo subjetivismo”, avalia. De acordo com o ministro Beneti, nos casos mais frequentes, considera-se, quanto à vítima, o tipo de ocorrência (morte, lesão física ou deformidade), o padecimento da própria pessoa e dos familiares, circunstâncias de fato (como a divulgação maior ou menor), e consequências psicológicas de longa duração para a vítima.
Quanto ao ofensor, considera-se a gravidade de sua conduta ofensiva, a desconsideração de sentimentos humanos no agir, suas forças econômicas e a necessidade de maior ou menor valor, para que a punição tenha efeito pedagógico e seja um desestímulo efetivo para não se repetir ofensa.
Tantos fatores para análise resultam em disparidades entre os tribunais na fixação do dano moral. É o que se chama de “jurisprudência lotérica”. O ministro Salomão explica: para um mesmo fato que afeta inúmeras vítimas, uma Câmara do Tribunal fixa um determinado valor de indenização e outra Turma julgadora arbitra, em situação envolvendo partes com situações bem assemelhadas, valor diferente. “Esse é um fator muito ruim para a credibilidade da Justiça, conspirando para a insegurança jurídica”, analisa o ministro do STJ. “A indenização não representa um bilhete premiado”, diz.
Como instância máxima de questionamentos envolvendo legalidade, o STJ definiu algumas quantias para determinados tipos de indenização. Um dos exemplos são os casos de morte dentro de escola, cujo valor de punição aplicado é de 500 salários mínimos. Quando a ação por dano moral é movida contra um ente público, cabe às turmas de Direito Público do STJ o julgamento do recurso. Seguindo o entendimento da 2ª Seção, a 2ª Turma vem fixando o valor de indenizações no limite de 300 salários mínimos. Foi o que ocorreu no julgamento do Recurso Especial 860.705, relatado pela ministra Eliana Calmon. O recurso era dos pais que, entre outros pontos, tentavam aumentar o dano moral de R$ 15 mil para 500 salários mínimos em razão da morte do filho ocorrida dentro da escola, por um disparo de arma. A 2ª Turma fixou o dano, a ser ressarcido pelo Distrito Federal, seguindo o teto padronizado pelos ministros.
O patamar, no entanto, pode variar de acordo com o dano sofrido. Em 2007, o ministro Castro Meira levou para análise, também na 2ª Turma, um recurso do estado do Amazonas, que havia sido condenado ao pagamento de R$ 350 mil à família de uma menina morta por um policial militar em serviço. Em primeira instância, a indenização havia sido fixada em cerca de 1.600 salários mínimos, mas o tribunal local reduziu o valor, destinando R$ 100 mil para cada um dos pais e R$ 50 mil para cada um dos três irmãos. O STJ manteve o valor, já que, devido às circunstâncias do caso e à ofensa sofrida pela família, não considerou o valor exorbitante nem desproporcional (REsp 932.001).
Já os incidentes que causem paraplegia na vítima motivam indenizações de até 600 salários mínimos, segundo o tribunal. A subjetividade no momento da fixação do dano moral resulta em disparidades gritantes entre os diversos Tribunais do país. Num recurso analisado pela 2ª Turma do STJ em 2004, a Procuradoria do estado do Rio Grande do Sul apresentou exemplos de julgados pelo país para corroborar sua tese de redução da indenização a que havia sido condenada.
Feito refém durante um motim, o diretor-geral do hospital penitenciário do Presídio Central de Porto Alegre acabou paraplégico em razão de ferimentos. Processou o estado e, em primeiro grau, o dano moral foi arbitrado em R$ 700 mil. O Tribunal estadual gaúcho considerou suficiente a indenização equivalente a 1.300 salários mínimos. Ocorre que, em caso semelhante — paraplegia —, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais fixou em 100 salários mínimos o dano moral. Daí o recurso ao STJ.
A 2ª Turma reduziu o dano moral devido à vítima do motim para 600 salários mínimos (Resp 604.801), mas a relatora do recurso, ministra Eliana Calmon, destacou dificuldade em chegar a uma uniformização, já que há múltiplas especificidades a serem analisadas, de acordo com os fatos e as circunstâncias de cada caso.
Passado o choque pela tragédia, é natural que as vítimas pensem no ressarcimento pelos danos e busquem isso judicialmente. Em 2002, a 3ª Turma fixou em 250 salários mínimos a indenização devida aos pais de um bebê de São Paulo morto por negligência dos responsáveis do berçário (Ag 437968). Assim foi fixado o limite de 250 salários para os casos de morte de filho no parto.
Caso semelhante foi analisado pela 2ª Turma neste ano. Por falta do correto atendimento durante e após o parto, a criança ficou com sequelas cerebrais permanentes. Nesta hipótese, a relatora, ministra Eliana Calmon, decidiu por uma indenização maior, tendo em vista o prolongamento do sofrimento.
“A morte do filho no parto, por negligência médica, embora ocasione dor indescritível aos genitores, é evidentemente menor do que o sofrimento diário dos pais que terão de cuidar, diuturnamente, do filho inválido, portador de deficiência mental irreversível, que jamais será independente ou terá a vida sonhada por aqueles que lhe deram a existência”, afirmou a ministra em seu voto. A indenização foi fixada em 500 salários mínimos (Resp 1.024.693).
O STJ reconheceu a necessidade de reparação a uma mulher que teve sua foto ao lado de um noivo publicada em jornal do Rio Grande do Norte, noticiando que se casariam. Na verdade, não era ela a noiva, pelo contrário, ele se casaria com outra pessoa. Em primeiro grau, a indenização foi fixada em R$ 30 mil, mas o Tribunal de Justiça potiguar entendeu que não existiria dano a ser ressarcido, já que uma correção teria sido publicada posteriormente. No STJ, a condenação foi restabelecida (Resp 1.053.534) a R$ 30 mil, limite então pacificado para casos de fofoca social.
Um cidadão alagoano viu uma indenização de R$ 133 mil minguar para R$ 20 mil quando um caso de protesto indevido de seu nome chegou ao STJ. Sem nunca ter sido correntista do banco que emitiu o cheque, houve protesto do título devolvido por parte da empresa que o recebeu. Banco e empresa foram condenados a pagar cem vezes o valor do cheque, de R$ 1.333. Houve recurso e a 3ª Turma reduziu a indenização. O relator, ministro Sidnei Beneti, levou em consideração que a fraude foi praticada por terceiros e que não houve demonstração de abalo ao crédito do cidadão (Resp 792.051).
Outra situação com limite pré-estabelecido é o disparo indevido de alarme antifurto nas lojas. Já noutro caso, no ano passado, a 3ª Turma manteve uma condenação no valor de R$ 7 mil por danos morais devido a um consumidor do Rio de Janeiro que sofreu constrangimento e humilhação por ter de retornar à loja para ser revistado. O alarme antifurto disparou indevidamente. Para a relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, foi razoável o patamar estabelecido pelo Tribunal local (Resp 1.042.208). Ela destacou que o valor seria, inclusive, menor do que em outros casos semelhantes que chegaram ao STJ. Em 2002, houve um precedente da 4ª Turma que fixou em R$ 15 mil indenização para caso idêntico (Resp 327.679).
Há casos, porém, que o STJ considera as indenizações indevidas. O STJ firmou jurisprudência no sentido de que não gera dano moral a simples interrupção indevida da prestação do serviço telefônico (Resp 846273), por exemplo.
Veja alguns casos já julgados pelo STJ:Tabela Indenizações - Dano Moral - STJ -
terça-feira, 3 de setembro de 2013
A RESPONSABILIDADE DOS BANCOS. 1 – A responsabilidade dos bancos pode ser contratual (na relação com os clientes). 2 – Pode também ser aquiliana (danos a terceiros não clientes) 3 - Casos mais freqüentes são de responsabilidade contratual: Ex. pagamento de cheques falsificados. Súmula 28 do STF: “O estabelecimento bancário é responsável pelo pagamento de cheque falso, ressalvadas as hipóteses de culpa exclusiva ou concorrente do correntista”. 4 – A responsabilidade dos bancos é objetiva, nos moldes do art. 14 do CDC. Súmula 297 do STJ: “O CDC é aplicável às instituições financeiras, estas respondem, independentemente de culpa, pela reparação dos danos causados a seus clientes, por defeitos decorrentes dos serviços que lhes prestam. "A circunstância de o usuário dispor do bem recebido através da operação bancária, transferindo-o a terceiros, em pagamento de outros bens ou serviços, nao o descaracteriza como consumidor de serviços prestados, pelo banco" (REsp 57.974-0-RS, 4ª T., rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar.
sexta-feira, 17 de maio de 2013
ESPECIAL (STJ)
Teoria do adimplemento substancial limita o exercício de direitos do credor
Como regra geral, se houver descumprimento de obrigação contratual, “a parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos”, conforme dispõe o artigo 475 do Código Civil (CC). Entretanto, a doutrina e a jurisprudência têm admitido o reconhecimento do adimplemento substancial, com o fim de preservar o vínculo contratual.
Segundo a teoria do adimplemento substancial, o credor fica impedido de rescindir o contrato, caso haja cumprimento de parte essencial da obrigação assumida pelo devedor; porém, não perde o direito de obter o restante do crédito, podendo ajuizar ação de cobrança para tanto.
Origem
A substancial performance teve origem no direito inglês, no século XVIII. De acordo com o ministro Paulo de Tarso Sanseverino, da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o instituto foi desenvolvido “para superar os exageros do formalismo exacerbado na execução dos contratos em geral”.
Embora não seja expressamente prevista no CC, a teoria tem sido aplicada em muitos casos, inclusive pelo STJ, tendo como base, além do princípio da boa-fé, a função social dos contratos, a vedação ao abuso de direito e ao enriquecimento sem causa.
De acordo com o ministro Luis Felipe Salomão, da Quarta Turma do STJ, “a insuficiência obrigacional poderá ser relativizada com vistas à preservação da relevância social do contrato e da boa-fé, desde que a resolução do pacto não responda satisfatoriamente a esses princípios”. Para ele, essa é a essência da doutrina do adimplemento substancial.
Boa-fé
O princípio da boa-fé, que exige das partes comportamento ético, baseado na confiança e na lealdade, deve nortear qualquer relação jurídica. De acordo com o artigo 422 do CC, “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.
Segundo Paulo de Tarso Sanseverino, “no plano do direito das obrigações, a boa-fé objetiva apresenta-se, especialmente, como um modelo ideal de conduta, que se exige de todos integrantes da relação obrigacional (devedor e credor) na busca do correto adimplemento da obrigação, que é a sua finalidade última”.
No julgamento do Recurso Especial (REsp) 1.202.514, a ministra Nancy Andrighi, da Terceira Turma do STJ, afirmou que uma das funções do princípio é limitar o exercício de direitos subjetivos. E a essa função aplica-se a teoria do adimplemento substancial das obrigações, “como meio de rever a amplitude e o alcance dos deveres contratuais”.
No caso objeto do recurso, Indústrias Micheletto e Danilevicz Advogados Associados firmaram contrato de serviços jurídicos, que previa o pagamento de prestações mensais, reajustáveis a cada 12 meses.
Durante os seis anos de vigência contratual, não houve nenhuma correção no valor das parcelas. A contratada optou por renunciar ao reajuste, visando assegurar a manutenção do contrato. Entretanto, no momento da rescisão, exigiu o pagamento retroativo da verba.
Nancy Andrighi explicou que nada impede que o beneficiado abra mão do reajuste mensal, como forma de persuadir a parte contrária a manter o vínculo contratual.
Nessa hipótese, haverá redução da obrigação pela inércia de uma das partes, ao longo da execução do contrato, em exercer direito, “criando para a outra a sensação válida e plausível de ter havido a renúncia àquela prerrogativa”, disse.
Por isso, o princípio da boa-fé tornou inviável a pretensão da firma de advocacia de exigir valores a título de correção monetária, pois frustraria uma expectativa legítima, construída e mantida ao longo de toda a relação contratual, explicou Andrighi.
Função social
Para o ministro Luis Felipe Salomão, o contrato deixou de servir somente para circulação de riquezas: “Além disso – e principalmente –, é forma de adequação e realização social da pessoa humana e meio de acesso a bens e serviços que lhe dão dignidade.”
“Diante da crescente publicização do direito privado, o contrato deixou de ser a máxima expressão da autonomia da vontade para se tornar prática social de especial importância, prática essa que o estado não pode simplesmente relegar à esfera das deliberações particulares”, disse o ministro, no julgamento do REsp 1.051.270.
BBV Leasing Brasil ajuizou ação de reintegração de posse contra um cliente, em razão da falta de pagamento de cinco das 36 parcelas devidas em contrato para aquisição de automóvel. Como não obteve sucesso nas instâncias ordinárias, a empresa recorreu ao STJ.
Salomão entendeu que a teoria do adimplemento substancial deveria ser aplicada ao caso, visto que o cliente teria pagado 86% da obrigação total, além de R$10.500 de valor residual garantido (VRG).
De acordo com o relator, a parcela da dívida não paga não desaparecerá, “o que seria um convite a toda sorte de fraudes”, porém o meio de realização do crédito escolhido pela instituição financeira deverá ser adequado e proporcional à extensão do inadimplemento – “como, por exemplo, a execução do título”, sugeriu.
Ele explicou que a faculdade que o credor tem de rescindir o contrato, diante do inadimplemento do devedor, deve ser reconhecida com cautela, principalmente quando houver desequilíbrio financeiro entre as partes contratantes, como no recurso julgado.
Carretas
Caso semelhante foi analisado também pela Terceira Turma, em junho deste ano. Inconformada com o débito de seis parcelas, do total de 36, correspondentes a contrato cujo objeto eram 135 carretas, a empresa Equatorial Transportes da Amazônia ajuizou ação de reintegração de posse contra Costeira Transportes e Serviços.
No REsp 1.200.105, a Equatorial pediu a extinção do contrato, sustentando que o fato de faltar apenas um quinto do valor a ser quitado não servia de justificativa para o inadimplemento da outra contratante.
O ministro Paulo de Tarso Sanseverino, relator do recurso especial, deu razão à Costeira e aplicou a teoria do adimplemento substancial. “Tendo ocorrido um adimplemento parcial da dívida muito próximo do resultado final, limita-se esse direito do credor, pois a resolução direta do contrato mostrar-se-ia um exagero, uma iniquidade”, disse.
Ele afirmou que, atualmente, o fundamento para aplicação da teoria é o artigo 187 do CC. De acordo com o dispositivo, o titular de um direito que o exerce de forma a exceder os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes, comete ato ilícito.
Na hipótese, Sanseverino explicou que o credor poderá exigir seu crédito e até indenização, mas não a extinção do contrato.
Imóvel rural
Em agosto deste ano, a Terceira Turma reconheceu o adimplemento substancial de um contrato de compra e venda, cujo objeto era um imóvel rural. Do valor da dívida, R$ 268.261, o comprador deixou de pagar, à época do vencimento, apenas três parcelas anuais, que totalizavam R$ 26.640. Esse valor foi quitado posteriormente.
“Se o saldo devedor for considerado extremamente reduzido em relação à obrigação total, é perfeitamente aplicável a teoria do adimplemento substancial, impedindo a resolução por parte do credor, em favor da preservação do contrato”, afirmou o ministro Massami Uyeda (AREsp 155.885).
Enriquecimento ilícito
Quando o comprador, após ter pagado parte substancial da dívida, torna-se inadimplente em razão da incapacidade de arcar com o restante das prestações devidas, tem a possibilidade de promover a extinção do contrato e de receber de volta parte do que pagou, sem deixar de indenizar o vendedor pelo rompimento. Esse foi o entendimento da Quarta Turma, ao julgar o REsp 761.944.
Planec Planejamento Educacional firmou contrato de compra e venda com a Companhia Imobiliária de Brasília (Terracap) para aquisição de um imóvel, localizado em Águas Claras (DF). A cláusula relativa ao pagamento previa que 30% do valor do imóvel deveriam ser pagos a título de sinal.
O tribunal estadual considerou que o comprador, por ter dado causa à rescisão contratual, não tinha direito ao ressarcimento de parte substancial do valor pago ao vendedor. Entretanto, o ministro João Otávio de Noronha, relator do recurso especial, entendeu que o acórdão deveria ser reformado.
Para o ministro, o pagamento inicial do valor devido deixa de ser caracterizado como sinal quando representa adimplemento de parte substancial da dívida. “Assim sendo, é incabível a retenção de tais valores no desfazimento do negócio, sob pena de enriquecimento ilícito do vendedor”, disse.
Ele citou precedente, segundo o qual, “o promissário comprador que se torna inadimplente em razão da insuportabilidade do contrato assim como pretendido executar pela promitente vendedora tem o direito de promover a extinção da avença e de receber a restituição de parte substancial do que pagou, retendo a construtora uma parcela a título de indenização pelo rompimento do contrato” (REsp 476.775).
Exceção do contrato não cumprido
No julgamento do REsp 883.990, a Quarta Turma analisou um caso em que a teoria do adimplemento substancial foi afastada. Um casal ajuizou ação ordinária, visando a reintegração de posse de um imóvel, situado na Barra da Tijuca (RJ), e a consequente rescisão do contrato milionário.
O casal de compradores havia deixado de pagar mais da metade do valor do imóvel, aproximadamente R$ 1 milhão, em razão de os vendedores não terem quitado parcela do IPTU, de R$ 37 mil.
Para suspender o pagamento das prestações devidas, o casal invocou a norma disposta no artigo 470 do CC – exceção do contrato não cumprido –, argumentando que a responsabilidade pela quitação dos débitos fiscais incidentes sobre o bem era dos vendedores.
De acordo com o relator do recurso especial, ministro Fernando Gonçalves (hoje aposentado), há uma flagrante desproporcionalidade entre o descumprimento parcial dos vendedores com a quitação dos débitos fiscais e a retenção das parcelas devidas pela compra do imóvel.
Ele entendeu que a falta de pagamento do IPTU não acarretou diminuição patrimonial para os compradores, o que serviria de justificativa para que estes deixassem de cumprir sua obrigação. Mencionou que o valor das prestações supera em muito o quantitativo referente ao imposto, que, inclusive, poderia ser abatido do valor devido.
Para o ministro, a exceção do contrato não cumprido favoreceu os vendedores. “Há flagrante mora dos recorridos [compradores], porque, por uma escassa importância, suspenderam o pagamento de aproximadamente R$ 1 milhão, já na posse do imóvel até hoje mantida”, concluiu.
Contrato de previdência
“Para a resolução do contrato, inclusive pela via judicial, há de se considerar não só a inadimplência em si, mas também o adimplemento da avença durante a normalidade contratual”, disse o ministro Luis Felipe Salomão, no julgamento do REsp 877.965
Após a morte do cônjuge, uma beneficiária de contrato de previdência privada, firmado com o Bradesco Vida e Previdência, foi informada de que o acordo havia sido cancelado administrativamente, devido à inadimplência de três parcelas. Conforme acordado, a beneficiária deveria receber pecúlio em razão de morte, no valor de R$ 42 mil.
Entretanto, seis dias após o cancelamento pela instituição financeira, antes de ter ocorrido a morte do cônjuge, as três mensalidades devidas foram pagas. Em razão do cancelamento, a empresa devolveu o valor pago em atraso. Diante disso, a beneficiária ajuizou ação de cobrança.
No recurso especial, ela alegou nulidade da cláusula contratual que autorizou o cancelamento do contrato de seguro devido ao inadimplemento de parcelas, sem que tenha ocorrido a interpelação judicial ou extrajudicial para alertar o devedor a respeito do cancelamento ou rescisão do contrato.
Para o ministro Salomão, a conduta da beneficiária “está inequivocamente revestida de boa-fé, a mora – que não foi causada exclusivamente pelo consumidor – é de pequena importância, e a resolução do contrato não era absolutamente necessária, mostrando-se também interessante a ambas as partes a manutenção do pacto”.
Segundo o ministro, o inadimplemento é “relativamente desimportante em face do substancial adimplemento verificado durante todo o período anterior”, além disso, “decorreu essencialmente do arbítrio injustificável da recorrida – entidade de previdência e seguros – em não receber as parcelas em atraso, antes mesmo da ocorrência do sinistro, não agindo assim com a boa-fé e cooperação recíproca, essenciais à harmonização das relações civis”.
Fonte (STJ).
Teoria do adimplemento substancial limita o exercício de direitos do credor
Como regra geral, se houver descumprimento de obrigação contratual, “a parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos”, conforme dispõe o artigo 475 do Código Civil (CC). Entretanto, a doutrina e a jurisprudência têm admitido o reconhecimento do adimplemento substancial, com o fim de preservar o vínculo contratual.
Segundo a teoria do adimplemento substancial, o credor fica impedido de rescindir o contrato, caso haja cumprimento de parte essencial da obrigação assumida pelo devedor; porém, não perde o direito de obter o restante do crédito, podendo ajuizar ação de cobrança para tanto.
Origem
A substancial performance teve origem no direito inglês, no século XVIII. De acordo com o ministro Paulo de Tarso Sanseverino, da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o instituto foi desenvolvido “para superar os exageros do formalismo exacerbado na execução dos contratos em geral”.
Embora não seja expressamente prevista no CC, a teoria tem sido aplicada em muitos casos, inclusive pelo STJ, tendo como base, além do princípio da boa-fé, a função social dos contratos, a vedação ao abuso de direito e ao enriquecimento sem causa.
De acordo com o ministro Luis Felipe Salomão, da Quarta Turma do STJ, “a insuficiência obrigacional poderá ser relativizada com vistas à preservação da relevância social do contrato e da boa-fé, desde que a resolução do pacto não responda satisfatoriamente a esses princípios”. Para ele, essa é a essência da doutrina do adimplemento substancial.
Boa-fé
O princípio da boa-fé, que exige das partes comportamento ético, baseado na confiança e na lealdade, deve nortear qualquer relação jurídica. De acordo com o artigo 422 do CC, “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.
Segundo Paulo de Tarso Sanseverino, “no plano do direito das obrigações, a boa-fé objetiva apresenta-se, especialmente, como um modelo ideal de conduta, que se exige de todos integrantes da relação obrigacional (devedor e credor) na busca do correto adimplemento da obrigação, que é a sua finalidade última”.
No julgamento do Recurso Especial (REsp) 1.202.514, a ministra Nancy Andrighi, da Terceira Turma do STJ, afirmou que uma das funções do princípio é limitar o exercício de direitos subjetivos. E a essa função aplica-se a teoria do adimplemento substancial das obrigações, “como meio de rever a amplitude e o alcance dos deveres contratuais”.
No caso objeto do recurso, Indústrias Micheletto e Danilevicz Advogados Associados firmaram contrato de serviços jurídicos, que previa o pagamento de prestações mensais, reajustáveis a cada 12 meses.
Durante os seis anos de vigência contratual, não houve nenhuma correção no valor das parcelas. A contratada optou por renunciar ao reajuste, visando assegurar a manutenção do contrato. Entretanto, no momento da rescisão, exigiu o pagamento retroativo da verba.
Nancy Andrighi explicou que nada impede que o beneficiado abra mão do reajuste mensal, como forma de persuadir a parte contrária a manter o vínculo contratual.
Nessa hipótese, haverá redução da obrigação pela inércia de uma das partes, ao longo da execução do contrato, em exercer direito, “criando para a outra a sensação válida e plausível de ter havido a renúncia àquela prerrogativa”, disse.
Por isso, o princípio da boa-fé tornou inviável a pretensão da firma de advocacia de exigir valores a título de correção monetária, pois frustraria uma expectativa legítima, construída e mantida ao longo de toda a relação contratual, explicou Andrighi.
Função social
Para o ministro Luis Felipe Salomão, o contrato deixou de servir somente para circulação de riquezas: “Além disso – e principalmente –, é forma de adequação e realização social da pessoa humana e meio de acesso a bens e serviços que lhe dão dignidade.”
“Diante da crescente publicização do direito privado, o contrato deixou de ser a máxima expressão da autonomia da vontade para se tornar prática social de especial importância, prática essa que o estado não pode simplesmente relegar à esfera das deliberações particulares”, disse o ministro, no julgamento do REsp 1.051.270.
BBV Leasing Brasil ajuizou ação de reintegração de posse contra um cliente, em razão da falta de pagamento de cinco das 36 parcelas devidas em contrato para aquisição de automóvel. Como não obteve sucesso nas instâncias ordinárias, a empresa recorreu ao STJ.
Salomão entendeu que a teoria do adimplemento substancial deveria ser aplicada ao caso, visto que o cliente teria pagado 86% da obrigação total, além de R$10.500 de valor residual garantido (VRG).
De acordo com o relator, a parcela da dívida não paga não desaparecerá, “o que seria um convite a toda sorte de fraudes”, porém o meio de realização do crédito escolhido pela instituição financeira deverá ser adequado e proporcional à extensão do inadimplemento – “como, por exemplo, a execução do título”, sugeriu.
Ele explicou que a faculdade que o credor tem de rescindir o contrato, diante do inadimplemento do devedor, deve ser reconhecida com cautela, principalmente quando houver desequilíbrio financeiro entre as partes contratantes, como no recurso julgado.
Carretas
Caso semelhante foi analisado também pela Terceira Turma, em junho deste ano. Inconformada com o débito de seis parcelas, do total de 36, correspondentes a contrato cujo objeto eram 135 carretas, a empresa Equatorial Transportes da Amazônia ajuizou ação de reintegração de posse contra Costeira Transportes e Serviços.
No REsp 1.200.105, a Equatorial pediu a extinção do contrato, sustentando que o fato de faltar apenas um quinto do valor a ser quitado não servia de justificativa para o inadimplemento da outra contratante.
O ministro Paulo de Tarso Sanseverino, relator do recurso especial, deu razão à Costeira e aplicou a teoria do adimplemento substancial. “Tendo ocorrido um adimplemento parcial da dívida muito próximo do resultado final, limita-se esse direito do credor, pois a resolução direta do contrato mostrar-se-ia um exagero, uma iniquidade”, disse.
Ele afirmou que, atualmente, o fundamento para aplicação da teoria é o artigo 187 do CC. De acordo com o dispositivo, o titular de um direito que o exerce de forma a exceder os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes, comete ato ilícito.
Na hipótese, Sanseverino explicou que o credor poderá exigir seu crédito e até indenização, mas não a extinção do contrato.
Imóvel rural
Em agosto deste ano, a Terceira Turma reconheceu o adimplemento substancial de um contrato de compra e venda, cujo objeto era um imóvel rural. Do valor da dívida, R$ 268.261, o comprador deixou de pagar, à época do vencimento, apenas três parcelas anuais, que totalizavam R$ 26.640. Esse valor foi quitado posteriormente.
“Se o saldo devedor for considerado extremamente reduzido em relação à obrigação total, é perfeitamente aplicável a teoria do adimplemento substancial, impedindo a resolução por parte do credor, em favor da preservação do contrato”, afirmou o ministro Massami Uyeda (AREsp 155.885).
Enriquecimento ilícito
Quando o comprador, após ter pagado parte substancial da dívida, torna-se inadimplente em razão da incapacidade de arcar com o restante das prestações devidas, tem a possibilidade de promover a extinção do contrato e de receber de volta parte do que pagou, sem deixar de indenizar o vendedor pelo rompimento. Esse foi o entendimento da Quarta Turma, ao julgar o REsp 761.944.
Planec Planejamento Educacional firmou contrato de compra e venda com a Companhia Imobiliária de Brasília (Terracap) para aquisição de um imóvel, localizado em Águas Claras (DF). A cláusula relativa ao pagamento previa que 30% do valor do imóvel deveriam ser pagos a título de sinal.
O tribunal estadual considerou que o comprador, por ter dado causa à rescisão contratual, não tinha direito ao ressarcimento de parte substancial do valor pago ao vendedor. Entretanto, o ministro João Otávio de Noronha, relator do recurso especial, entendeu que o acórdão deveria ser reformado.
Para o ministro, o pagamento inicial do valor devido deixa de ser caracterizado como sinal quando representa adimplemento de parte substancial da dívida. “Assim sendo, é incabível a retenção de tais valores no desfazimento do negócio, sob pena de enriquecimento ilícito do vendedor”, disse.
Ele citou precedente, segundo o qual, “o promissário comprador que se torna inadimplente em razão da insuportabilidade do contrato assim como pretendido executar pela promitente vendedora tem o direito de promover a extinção da avença e de receber a restituição de parte substancial do que pagou, retendo a construtora uma parcela a título de indenização pelo rompimento do contrato” (REsp 476.775).
Exceção do contrato não cumprido
No julgamento do REsp 883.990, a Quarta Turma analisou um caso em que a teoria do adimplemento substancial foi afastada. Um casal ajuizou ação ordinária, visando a reintegração de posse de um imóvel, situado na Barra da Tijuca (RJ), e a consequente rescisão do contrato milionário.
O casal de compradores havia deixado de pagar mais da metade do valor do imóvel, aproximadamente R$ 1 milhão, em razão de os vendedores não terem quitado parcela do IPTU, de R$ 37 mil.
Para suspender o pagamento das prestações devidas, o casal invocou a norma disposta no artigo 470 do CC – exceção do contrato não cumprido –, argumentando que a responsabilidade pela quitação dos débitos fiscais incidentes sobre o bem era dos vendedores.
De acordo com o relator do recurso especial, ministro Fernando Gonçalves (hoje aposentado), há uma flagrante desproporcionalidade entre o descumprimento parcial dos vendedores com a quitação dos débitos fiscais e a retenção das parcelas devidas pela compra do imóvel.
Ele entendeu que a falta de pagamento do IPTU não acarretou diminuição patrimonial para os compradores, o que serviria de justificativa para que estes deixassem de cumprir sua obrigação. Mencionou que o valor das prestações supera em muito o quantitativo referente ao imposto, que, inclusive, poderia ser abatido do valor devido.
Para o ministro, a exceção do contrato não cumprido favoreceu os vendedores. “Há flagrante mora dos recorridos [compradores], porque, por uma escassa importância, suspenderam o pagamento de aproximadamente R$ 1 milhão, já na posse do imóvel até hoje mantida”, concluiu.
Contrato de previdência
“Para a resolução do contrato, inclusive pela via judicial, há de se considerar não só a inadimplência em si, mas também o adimplemento da avença durante a normalidade contratual”, disse o ministro Luis Felipe Salomão, no julgamento do REsp 877.965
Após a morte do cônjuge, uma beneficiária de contrato de previdência privada, firmado com o Bradesco Vida e Previdência, foi informada de que o acordo havia sido cancelado administrativamente, devido à inadimplência de três parcelas. Conforme acordado, a beneficiária deveria receber pecúlio em razão de morte, no valor de R$ 42 mil.
Entretanto, seis dias após o cancelamento pela instituição financeira, antes de ter ocorrido a morte do cônjuge, as três mensalidades devidas foram pagas. Em razão do cancelamento, a empresa devolveu o valor pago em atraso. Diante disso, a beneficiária ajuizou ação de cobrança.
No recurso especial, ela alegou nulidade da cláusula contratual que autorizou o cancelamento do contrato de seguro devido ao inadimplemento de parcelas, sem que tenha ocorrido a interpelação judicial ou extrajudicial para alertar o devedor a respeito do cancelamento ou rescisão do contrato.
Para o ministro Salomão, a conduta da beneficiária “está inequivocamente revestida de boa-fé, a mora – que não foi causada exclusivamente pelo consumidor – é de pequena importância, e a resolução do contrato não era absolutamente necessária, mostrando-se também interessante a ambas as partes a manutenção do pacto”.
Segundo o ministro, o inadimplemento é “relativamente desimportante em face do substancial adimplemento verificado durante todo o período anterior”, além disso, “decorreu essencialmente do arbítrio injustificável da recorrida – entidade de previdência e seguros – em não receber as parcelas em atraso, antes mesmo da ocorrência do sinistro, não agindo assim com a boa-fé e cooperação recíproca, essenciais à harmonização das relações civis”.
Fonte (STJ).
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