RESPONSABILIDADE CIVIL NAS RELAÇÕES DE CONSUMO.
11.1. FUNDAMENTOS JURÍDICOS. O Código de Defesa do Consumidor, editado através da Lei número 8.078/90, atendeu ao disposto no artigo 5º, inciso XXXII da CF/88. O que se disciplina no estatuto legal é o equilíbrio nas relações de consumo de forma a proteger a parte hipossuficiente – o consumidor. O que predomina nessa relação é a habitualidade das atividades mercantis de consumo.
O CDC definiu com clareza absoluta a atividade do consumidor (art. 2º) bem como, a do fornecedor (art. 3º). No mesmo sentido, conceituou o que é produto (art. 3º, par. 1º) e serviço (art. 3º, par. 2º).
De acordo com a opinião de Sérgio Cavalieiri Filho[1], “O Código de Defesa do Consumidor não se guiou pelos critérios do Código Civil para conceituar produtos ou serviços, como já disse. Criou um sistema próprio para regular as relações jurídicas de consumo, que têm significação moderna e atual, de acordo com o que o Código de Defesa do Consumidor estabeleceu como conceito para elas, para o consumidor, para o fornecedor e para o produto e o serviço”.
11.2. RESPONSABILIDADE PELO FATO DO PRODUTO E DO SERVIÇO. A Lei consumerista prescreveu que se trata de responsabilidade objetiva, em face da segurança dos produtos e serviços, segundo as previsões contidas nos artigos 8º do CDC. Deve ainda o fabricante ou fornecedor informar adequadamente o consumidor – artigo 9º.
Os acidentes de consumo foram assim denominados em face da obrigação de indenizar todo e qualquer dano, decorrente dos danos provocados pelo produto, como, pelo serviço.
Segundo leciona Arnaldo Rizzardo[2], “o bem acarreta um dano, que se origina das causas especificadas no dispositivo, e arroladas exemplificadamente, isto é, não impedindo outras: defeito de projeto, de fabricação, de construção, de montagem, de fórmulas, de manipulação, de apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos”.
No que tange ao serviço, a disciplina desta situação se encontra prevista no artigo 14 do CDC. Nesse caso, todo o serviço possui uma natural deficiência de execução gerando, por conseqüência, danos a terceiros.
“A deficiência do fornecimento de energia elétrica pode justificar a paralisação do serviço de telefonia, em prejuízo da obrigação de continuidade, porém é indispensável à demonstração inequívoca da culpa exclusiva do terceiro, o que não se verifica na espécie. O mero dissabor não pode ser alçado ao patamar do dano moral, mas somente aquela agressão que exacerba a naturalidade dos fatos da vida, causando fundadas aflições ou angústias no espírito de quem ela se dirige. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido”. (In REsp. no. 599.538/MA, da 4ª. Turma do STJ – j. em 04.03.2004 – DJU 06.09.2004).
Todavia, o artigo 14, par. 4º, estabelece a culpa subjetiva dos profissionais liberais, em razão da autonomia dos serviços executados por essas pessoas – estendo às pessoas jurídicas que exercem atividades liberais.
11.3. RESPONSABILIDADE CIVIL SUBSIDIÁRIA DO COMERCIANTE. O comerciante somente será responsabilizado quando ocorrer os casos previstos no artigo 13 do CDC:
· O fabricante, o construtor, o produtor ou o importador não puderem ser identificados;
· O produto for fornecido sem identificação clara do seu fabricante, produtor, construtor ou importador;
· Não conservar adequadamente os produtos perecíveis.
Nesse caso, a culpa do comerciante será subjetiva posto que, todos os casos apontados dependerão da prova da culpabilidade devidamente demonstrada. Na realidade, trata-se de negligência do comerciante no trato do produto comercializado, sendo assegurado o direito de regresso com exceção à situação prevista no terceiro caso.
11.4. RESPONSABILIDADE POR VICIO DO PRODUTO E DO SERVIÇO. Nesse caso, estaremos diante dos defeitos e ou vícios inerentes à própria coisa ou serviço. Nesse caso, se enquadram aquela categoria de produtos que o tornam impróprio ou inadequado ao consumo, diminuem o valor do produto ou ainda, apresenta disparidade entre o seu conteúdo líquido e suas indicações.
Nessa situação, citando Sérgio Cavalieiri Filho, Arnaldo Rizzardo[3] aponta para o seguinte fato, “É o automóvel que apresenta problema no motor, a televisão que não tem boa imagem, o ferro elétrico que não esquenta, a geladeira que não gela, o medicamento com data vencida ou inadequado para o tratamento a que se destina, o produto alimentício com peso inferior ao indicado na embalagem”.
No que tange à responsabilidade civil, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro decidiu da seguinte forma:“Se os animais foram acometidos de leptospirose canina, com cobertura para a variante copenhageni, coberta pela vacina canigen, e mesmo assim vieram a falecer, a responsabilidade decorrente da inocuidade da vacina é dos seus fabricantes. Padece de forte dor, grande sofrimento, quem acompanha a morte de seus animais de criação acometidos de grave enfermidade que estaria coberta por vacina, que se mostrou inócua por óbvio defeito de fabricação. Na hipótese, cabe a reparação por danos morais e materiais”. (In Apel. civ. n. 8211079 – Boletim de Jurisprudência ADCOAS, n. 44, p. 696 – novembro de 2002).
O artigo 19 do CDC apresenta ao consumidor a alternativa de solução amigável, a ser solucionada pelo comerciante, ao permitir a complementação do produto faltante, a sua substituição por outro equivalente.
Além da responsabilidade pelo produto, poderá ainda ocorrer à responsabilidade oriunda dos vícios de qualidade que os tornem impróprios ao consumo, segundo previsão contida no artigo 20, aplicando-se nesse caso, as mesmas alternativas semelhantes àquelas do defeito do produto.
O artigo 22 do CDC estende essas situações aos órgãos públicos, por si ou sua empresa concessionária, como aponta Arnaldo Rizzardo[4],
“A omissão na prestação de serviços, especialmente quanto aos essenciais, como os de segurança, de assistência médica e hospitalar, os relativos ao fornecimento de água, energia elétrica, os de telefonia (Lei número 7.783 de 1989), que sequer permitem a interrupção por motivo de greve, acarreta a Responsabilidade do Poder Público, como vem assinalado no parágrafo único, o que é uma decorrência lógica”.
11.5. EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE. Para haver responsabilidade civil é necessária a existência do nexo causal entre o fato e o dano. Para tanto, será indispensável observar que o fabricante:
· Não colocou o produto no mercado;
· Que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste;
· A culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
Por exemplo, no caso de veículo, o proprietário não procede à troca de óleo de lubrificação, não é regulado o sistema de freios, os pneus se encontram gastos. Acontece o acidente por que a roda é mal colocada ou não foram devidamente apertados os parafusos.
“O fato de o artigo 14, par. 3º do CDC não se referir ao caso fortuito e à força maior, ao arrolar as causas de isenção de responsabilidade do fornecedor de serviços, não significa que, no sistema por ele instituído, não possam ser invocadas. A inevitabilidade, e não a imprevisibilidade, é que efetivamente mais importa para caracterizar o fortuito. E aquela há de entender-se dentro de certa relatividade, tendo-se o acontecimento como inevitável em função do que seria razoável exigir-se”. (in REsp. n. 120.647-SP – 3ª. Turma – DJU de 15.05.2000).
11.6. DEVER DE SEGURANÇA NA ENTREGA DO PRODUTO E NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. O defeito do produto ou do serviço constitui-se no fato gerador da responsabilidade. Está aliado ao dever de segurança o de informar o consumidor os riscos previsíveis e normais, em atendimento aos comandos dos artigos 8 e 9 do mesmo diploma.
Nessa visão, é comum as fábricas de veículos efetuarem chamadas (recalls) de adquirentes de certos tipos e linhas de automóveis, para troca de peças, dada a pouca consistência ou a deformação depois de certo tempo de uso, com possibilidade de provocarem acidentes.
Segundo Sérgio Cavalieiri Filho[5], “Há produtos e serviços que têm o chamado RISCO INERENTE. Assim, entendido o risco intrinsecamente atado ‘a própria natureza, qualidade da coisa ou modo de funcionamento, como uma faca afiada, uma arma, medicamentos com contra-indicações, agrotóxicos, etc.”.
O CDC adotou inclusive a TEORIA DO RISCO DO EMPREENDIMENTO, ou seja, o fabricante e o fornecedor são responsáveis pelos produtos colocados no mercado de consumo atual e futuro. Segundo Sérgio Cavalieiri Filho[6], “O Código do Consumidor deu uma guinada de 180 graus na disciplina jurídica então existente, na medida em que transferiu os ricos do consumo do consumidor para o fornecedor. Estabeleceu responsabilidade objetiva para todos os casos de acidente de consumo, quer decorrentes do fato do produto (art. 12), quer do fato do serviço (art. 14). Pode-se, então, dizer que o Código esposou a teoria do risco do empreendimento (ou empresarial), que se contrapõe à teoria do risco do consumo”.
11.7. CLÁUSULA DE EXCLUSÃO DE RESPONSABILIDADE. Não vale a cláusula de exclusão de responsabilidade, conforme poderá ser observado a proibição expressa contida no artigo 25 da Lei consumerista. No mesmo sentido, se encontra presente a referida determinação contida no artigo 51, inciso I do CDC.
Nesse particular Cláudia Lima Marques adverte que, “serve também de alerta para o fornecedor no sentido de quando o contrato é de consumo, não deve prever cláusulas que estabeleçam renúncia ou disposição de direitos do consumidor”.
Dentre as questões que se enquadram na exclusão da responsabilidade, se encontra a TEORIA DO RISCO DO DESENVOLVIMENTO. Nesse caso, pode-se conceituar como sendo o “risco que não pode ser cientificamente conhecido no momento do lançamento do produto no mercando, vindo a ser descoberto somente após certo período de uso do produto e do serviço. É defeito que, em face do estado da ciência e da técnica à época da colocação do produto ou serviço em circulação era desconhecido e imprevisível”, segundo leciona Sérgio Cavalieiri Filho[7].
Essa questão não foi prevista no CDC. Segundo entende Sérgio Cavalieiri Filho, “em nosso entendimento, os riscos do desenvolvimento devem ser enquadrados como fortuito interno – risco integrante da atividade do fornecedor -, pelo que não exonerativo da sua responsabilidade”.
11.8. DECADÊNCIA DO DIREITO E PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO À INDENIZAÇÃO. Para Washington de Barros Monteiro, “a prescrição atinge diretamente a ação e por via oblíqua faz desaparecer o direito por ela tutelado; a decadência, ao inverso, atinge diretamente o direito e por via oblíqua, ou reflexa, extingue a ação”.
O artigo 26 do CDC estabelece prazos decadenciais diferentes para exercer o direito de reclamar vícios aparentes – a saber: 30 dias, tratando-se de fornecimento de serviços e produtos não duráveis e 90 dias, tratando-se de fornecimento de serviço e produto duráveis.
Os prazos de decadência iniciam-se a partir da entrega do produto ou do término da prestação e os vícios ocultos, no momento em que eles se tornam conhecidos do consumidor – art. 26, par. 1º e 3º do CDC. O dies a quo tem inicio no momento em que se constatar o defeito.
Há casos do defeito do produto que somente o exame técnico poderá constatar a data em que o mesmo se apresentou ao consumidor. O artigo 27 se refere há cinco anos o prazo para a propositura da ação de reparação de danos.
“A ação de indenização movida pelo consumidor contra a prestadora de serviço por defeito relativo à prestação do serviço prescreve em cinco anos, ao teor do artigo 27 c/c o art. 14 caput do CDC. Em tal situação se insere o pedido de reparação de danos materiais e morais dirigido contra a empresa editora das Listas Telefônicas em face de haver sido publicado erroneamente o número de telefone do restaurante anunciante, o que direcionou pedidos de fornecimento de alimentos a terceiras pessoa, que destratou a clientela da pizzaria, causando-lhe desgaste de imagem”. (In REsp. N. 511.558/MS – 4ª. Turma do STJ – j.em. 13.04.2004 – DJU 17.05.2004.).
Cumpre finalmente observar que haverá notória contradição em face da previsão contida no artigo 206, par. 3º, inciso V, estabelece que prescreve em três anos a pretensão de reparação cível, em contradição com o artigo 27 do CDC que estabelece o prazo de cinco anos para a prescrição do mesmo direito. Somente a jurisprudência ou a alteração legislativa será possível para dirimir o conflito dessas normas fundamentais, no âmbito da pretensão indenizatória.
11.9. QUESTÕES JURISPRUDENCIAIS – DECISÕES DOS TRIBUNAIS DE JUSTIÇA EM FACE DO CDC.
(A) RESPONSABILIDADE CIVIL. ESMAGAMENTO DE UM DEDO DA MÃO DO CLIENTE EM APARELHO DE MASSAGEM. Fato do serviço. Acidente de consumo. Responsabilidade objetiva do fornecedor. Inocorrência de culpa concorrente do consumidor. (IN TJRJ – Ap. Cível 147/95 – 2ª. Cam. Cível - Rel. Des. Sergio Cavalieiri Filho).
(B) RESPONSABILIDADE CIVIL DA INSTITUIÇÃO DE ENSINO – AGRESSÃO coletiva em campus universitário. ““ Trote” – Fato do serviço – Violação do dever de segurança – Falha na prestação do serviço – Danos Morais – Riscos do empreendimento – Responsabilidade da instituição de ensino caracterizada”. (In TRJR – Ap. Cível 28.686/2004 – Rel. Des. Sérgio Cavalieiri Filho).
RESPONSABILIDADE CIVIL DO FORNECEDOR – VICIO DO PRODUTO – Veículo com defeito de fabricação – Demora excessiva no conserto – Dano Moral – Garantia do fabricante – Prevaricação da garantia legal. (In TJRJ – Apel. Cível 17.887/2000 – Relator: Des. Sérgio Cavalieiri Filho).
PROCESSUAL ADMINISTRATIVO CONSTITUCIONAL. RESPONSABILIDADE CIVIL TABELIONATO DE NOTAS. FORO COMPETENTE. SERVIÇOS NOTARIAIS. A atividade notarial não é regida pelo CDC. O foro competente a ser aplicado em ação de reparação de danos em que figure no pólo passivo da demanda pessoa jurídica que presta serviço notarial é o domicílio do autor”. (In STJ – REsp. 625.144/SP – 3ª. Turma - julgado em 14.03.2006 – Rel. Min. Nancy Andrighi (voto vencido)
[1] CAVALIERI FILHO, Sérgio, obr. cit., p. 456.
[2] RIZZARDO, Arnaldo, op. cit., p. 412.
[3] RIZZARDO, Arnaldo, op. cit., p. 417.
[4] RIZZARDO, Arnaldo, op. cit., p. 420.
[5] CAVALIEIRI FILHO, Sérgio, obr., cit.p. 465.
[6] CAVALIEIRI FILHO, Sérgio, obr. Cit., p. 459.
[7] CAVALIERI FILHO, Sérgio, obr. cit., p. 475.
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