A TRAGÉDIA DE SANTA MARWRS E A RESPONSABILIDADE CIVIL
DECORRENTE.
o infausto acontecimento ocorrido na cidade de Santa Maria, Rio Grande do Sul, que
vitimou 231 jovens, suscita na opinião pública um questionamento - quem é o
responsável? Eu responderia com absoluta convicção - O PODER PÚBLICO e
solidariamente as pessoas jurídicas de direito privado na figura dos seus representantes
legais da banda e do proprietário da boate KISS. A repórter Eliane Cantanhêde, na
reportagem BRINCANDO COM FOGO, publicado na Folha de São Paulo do dia
29.01.2013, na folha A2, indagou várias vezes no texto: "E COMO O PODER
PÚBLICO, QuE AUTORIZA E FISCALIZA, NÃO VIU"? Realmente, o Estado é o
grande responsável por este e por milhares de eventos que ocorrem na realidade social,
em virtude da sua omissão no dever de atuar. A negligência estatal é um procedimento
corriqueiro nos litígios que tramitam perante o Poder Judiciário, tanto é verdade que
mais de 70% das ações indenizatórias que correm na Justiça, o maior cliente dos
julgadores, é o Estado.
A integridade fisica e psíquica da pessoa humana decorre da presença e atuação
concreta do Estado (art. 196 da CF/88). Afinal, a efetividade dos Direitos e Garantias
Fundamentais da pessoa prescritos no artigo 5° da Constituição Federal de 1988
depende substancialmente da atuação do Estado. O STF já afirmou que: "As garantias
institucionais desempenham função de proteção de bens jurídicos indispensáveis à
preservação de certos valores tidos como essenciais". A integridade da pessoa humana é
tida pela Corte Suprema brasileira com um valor essencial.
E, para a concreção dessas atividades fundamentais à sobrevivência do próprio Estado,
exige-se do mesmo presença contínua para disciplinar, fiscalizar e punir o
comportamento desviante das pessoas no ambiente social. Todavia, quando o Estado
neligencia esta importante atividade responde pela sua omissão. O Estado tem o dever
de agir e, na ausência da atuação que produz dano, deverá responder pelo seu descaso!
A mídia no Brasil há muito destaca o papel da impunidade, que nada mais é do que a
omissão do Estado! nos EUA, que exercem uma efetiva fiscalização e punição dos
infratores - o Estado marca a sua presença no ambiente social para assegurar proteção
ao cidadão e para fazer cumprir a lei. "Responde o Estado porque lhe incumbia
desempenhar com eficiência a função. Como não se organizou, ou não se prestou para
cumprir a contento a atividade que lhe cumpria, deixou de se revelar atento, diligente,
incorrendo em uma conduta culposa"(Arnaldo Rizzardo, Responsabilidade Civil, p.
360).
Portanto, se o Estado não cumpriu com o dever que a ordem jurídica lhe impunha e, em
conseqüência desta situação gerou dano, é responsável pelo mesmo. Nesta linha não
destoa o Supremo Tribunal Federal ao decidir: "Com relação à responsabilidade do
Estado, no caso in examen, verifica-se ser a mesma subjetiva, lastreada na obrigação do
Estado de impedir o evento danoso, uma vez que caberia ao ente público a
escorreita fiscalização da obra, a fim de manter em condição regular de uso a
barragem de Camará, sem oferecer riscos à população" (In STF - Ag.Reg. no RE
702. 574/Paraíba). Para corroborar essa tese, o Ministro Joaquim Barbosa do STF, no
julgamento do AI 600.652-AgRlPR, destacou: «a qualificação do tipo de
responsabilidade imputável ao Estado, se objetiva ou subjetiva, constitui circunstância
de menor relevo quando as instâncias ordinárias demonstram, com base no acervo
probatório, que a inoperância estatal injustificada foi condição decisiva para a produção
do resultado danoso". Resta inequívoca a responsabilidade civil subjetiva do Estado em
face da sua notória conduta omissiva, que comporta indenização por danos patrimoniais
e não patrimoniais (danos morais), em face da magnitude das lesões sofridas pelos
familiares das vítimas.
,- .
o jornal Folha de São do dia 30.0l.2013 estampa em sua primeira página a seguinte
notícia: «A Polícia Civil diz que a casa noturna Kiss, em Santa Maria (RS), estava
irregular, tinha vários problemas e não deveria estar funcionando". Ora, se não deveria
estar funcionando, porque estava? Por decorrência do ato omissivo do Estado, que foi
desidioso em seu dever de fiscalizar - faute du service. Dessa forma, resta
inquestionável a responsabilidade do Estado, ao lado da responsabilidade solidária (art.
942 CC) das pessoas jurídicas de direito privado - banda e boate Kiss - que
concorreram de forma eficiente para a produção dos lamentáveis e dolorosos danos que
sensibilizaram Q Brasil e toda comunidade mundial.
CLAYTON REIS ..
Juiz de Direito aposentado do TJPR. Pós-Doutor pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.
Doutor e Mestre pela UFPr - Especialista em Responsabilidade Civil pela DEM. Professor do Curso de
Mestrado do CESUMAR. Professor do UNICURlTffiA, DA UTPr e da Escola da Magistratura do
Paraná, membro Fundador da Academia Paranaense de Letras Jurídicas.
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