terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

J'ACUSE

Eu concordo com cada palavra, ponto e vírgula...


J'ACUSE!!!!

(Eu acuso)

(Tributo ao professor Kássio Vinícius Castro Gomes)

" Mon devoir est de parler, je ne veux pas être

complice." (Émile Zola)


"Meu dever é falar, não quero ser cúmplice. (...)" (Émile Zola)


Foi uma tragédia fartamente anunciada. Em milhares de

casos, desrespeito. Em outros tantos, escárnio. Em Belo Horizonte, um

estudante processa a escola e o professor que lhe deu notas baixas,

alegando que teve danos morais ao ter que virar noites estudando para

a prova subsequente. (Notem bem: o alegado “dano moral” do estudante

foi ter que... estudar!).


A coisa não fica apenas por aí. Pelo Brasil afora,

ameaças constantes. Ainda neste ano, uma professora brutalmente

espancada por um aluno. O ápice desta escalada macabra não poderia ser

outro.


O professor Kássio Vinícius Castro Gomes pagou com sua

vida, com seu futuro, com o futuro de sua esposa e filhas, com as

lágrimas eternas de sua mãe, pela irresponsabilidade que há muito vem

tomando conta dos ambientes escolares.


Há uma lógica perversa por trás dessa asquerosa

escalada. A promoção do desrespeito aos valores, ao bom senso, às

regras de bem viver e à autoridade foi elevada a método de ensino e

imperativo de convivência supostamente democrática.


No início, foi o maio de 68, em Paris: gritava-se nas

ruas que “era proibido proibir”. Depois, a geração do “não bate, que

traumatiza”. A coisa continuou: “Não reprove, que atrapalha”. Não dê

provas difíceis, pois “temos que respeitar o perfil dos nossos

alunos”. Aliás, “prova não prova nada”. Deixe o aluno “construir seu

conhecimento.” Não vamos avaliar o aluno. Pensando bem, “é o aluno que

vai avaliar o professor”. Afinal de contas, ele está pagando...

E como a estupidez humana não tem limite, a avacalhação
geral epidêmica, travestida de “novo paradigma” (Irc!), prosseguiu a

todo vapor, em vários setores: “o bandido é vítima da sociedade”,

“temos que mudar ‘tudo isso que está aí’; “mais importante que ter

conhecimento é ser ‘crítico’.”


Claro que a intelectualidade rasa de pedagogos de

panfleto e burocratas carreiristas ganhou um imenso impulso com a

mercantilização desabrida do ensino: agora, o discurso anti-disciplina

é anabolizado pela lógica doentia e desonesta da paparicação ao aluno

– cliente...

Estamos criando gerações em que uma parcela considerável

de nossos cidadãos é composta de adultos mimados, despreparados para

os problemas, decepções e desafios da vida, incapazes de lidar com

conflitos e, pior, dotados de uma delirante certeza de que “o mundo

lhes deve algo”.

Um desses jovens, revoltado com suas notas baixas,

cravou uma faca com dezoito centímetros de lâmina, bem no coração de

um professor. Tirou-lhe tudo o que tinha e tudo o que poderia vir a

ter, sentir, amar.

Ao assassino, corretamente , deverão ser concedidos

todos os direitos que a lei prevê: o direito ao tratamento humano, o

direito à ampla defesa, o direito de não ser condenado em pena maior

do que a prevista em lei. Tudo isso, e muito mais, fará parte do

devido processo legal, que se iniciará com a denúncia, a ser

apresentada pelo Ministério Público. A acusação penal ao autor do

homicídio covarde virá do promotor de justiça. Mas, com a licença

devida ao célebre texto de Emile Zola, EU ACUSO tantos outros que

estão por trás do cabo da faca:


EU ACUSO a pedagogia ideologizada, que pretende

relativizar tudo e todos, equiparando certo ao errado e vice-versa;


EU ACUSO os pseudo-intelectuais de panfleto, que

romantizam a “revolta dos oprimidos”e justificam a violência por parte

daqueles que se sentem vítimas;

EU ACUSO os burocratas da educação e suas cartilhas do

politicamente correto, que impedem a escola de constar faltas graves

no histórico escolar, mesmo de alunos criminosos, deixando-os livres

para tumultuar e cometer crimes em outras escolas;


EU ACUSO a hipocrisia de exigir professores com mestrado

e doutorado, muitos dos quais, no dia a dia, serão pressionados a dar

provas bem tranqüilas, provas de mentirinha, para “adequar a avaliação

ao perfil dos alunos”;


EU ACUSO os últimos tantos Ministros da Educação, que em

nome de estatísticas hipócritas e interesses privados, permitiram a

proliferação de cursos superiores completamente sem condições,

freqüentados por alunos igualmente sem condições de ali estar;


EU ACUSO a mercantilização cretina do ensino, a venda de

diplomas e títulos sem o mínimo de interesse e de responsabilidade com

o conteúdo e formação dos alunos, bem como de suas futuras missões na

sociedade;


EU ACUSO a lógica doentia e hipócrita do aluno-cliente,

cada vez menos exigido e cada vez mais paparicado e enganado, o qual,

finge que não sabe que, para a escola que lhe paparica, seu boleto

hoje vale muito mais do que seu sucesso e sua felicidade amanhã;


EU ACUSO a hipocrisia das escolas que jamais reprovam

seus alunos, as quais formam analfabetos funcionais só para maquiar

estatísticas do IDH e dizer ao mundo que o número de alunos com

segundo grau completo cresceu “tantos por cento”;


EU ACUSO os que aplaudem tais escolas e ainda trabalham

pela massificação do ensino superior, sem entender que o aluno que ali

chega deve ter o mínimo de preparo civilizacional, intelectual e

moral, pois estamos chegando ao tempo no qual o aluno “terá direito”

de se tornar médico ou advogado sem sequer saber escrever, tudo para o

desespero de seus futuros clientes-cobaia;


EU ACUSO os que agora falam em promover um “novo

paradigma”, uma “ nova cultura de paz”, pois o que se deve promover é

a boa e VELHA cultura da “vergonha na cara”, do respeito às normas, à

autoridade e do respeito ao ambiente universitário como um ambiente

de busca do conhecimento;


EU ACUSO os “cabeça – boa” que acham e ensinam que

disciplina é “careta”, que respeito às normas é coisa de velho

decrépito;

EU ACUSO os métodos de avaliação de professores, que se

tornaram templos de vendilhões, nos quais votos são comprados e

vendidos em troca de piadinhas, sorrisos e notas fáceis;


EU ACUSO os alunos que protestam contra a impunidade dos

políticos, mas gabam-se de colar nas provas, assim como ACUSO os

professores que, vendo tais alunos colarem, não têm coragem de aplicar

a devida punição;


EU VEEMENTEMENTE ACUSO os diretores e coordenadores que

impedem os professores de punir os alunos que colam, ou pretendem que

os professores sejam “promoters” de seus cursos;


EU ACUSO os diretores e coordenadores que toleram

condutas desrespeitosas de alunos contra professores e funcionários,

pois sua omissão quanto aos pequenos incidentes é diretamente

responsável pela ocorrência dos incidentes maiores;


Uma multidão de filhos tiranos que se tornam alunos

-clientes, serão despejados na vida como adultos eternamente

infantilizados e totalmente despreparados, tanto tecnicamente para o

exercício da profissão, quanto pessoalmente para os conflitos,

desafios e decepções do dia a dia.


Ensimesmados em seus delírios de perseguição ou de

grandeza, estes jovens mostram cada vez menos preparo na delicada e

essencial arte que é lidar com aquele ser complexo e imprevisível que

podemos chamar de “o outro”.


A infantilização eterna cria a seguinte e horrenda

lógica, hoje na cabeça de muitas crianças em corpo de adulto: “Se eu

tiro nota baixa, a culpa é do professor. Se não tenho dinheiro, a

culpa é do patrão. Se me drogo, a culpa é dos meus pais. Se furto,

roubo, mato, a culpa é do sistema. Eu, sou apenas uma vítima. Uma

eterna vítima. O opressor é você, que trabalha, paga suas contas em

dia e vive sua vida. Minhas coisas não saíram como eu queria. Estou

com muita raiva. Quando eu era criança, eu batia os pés no chão. Mas

agora, fisicamente, eu cresci. Portanto, você pode ser o próximo.”


Qualquer um de nós pode ser o próximo, por qualquer

motivo. Em qualquer lugar, dentro ou fora das escolas. A facada

ignóbil no professor Kássio dói no peito de todos nós. Que a sua morte

não seja em vão. É hora de repensarmos a educação brasileira e

abrirmos mão dos modismos e invencionices. A melhor “nova cultura de

paz” que podemos adotar nas escolas e universidades é fazermos as

pazes com os bons e velhos conceitos de seriedade, responsabilidade,

disciplina e estudo de verdade.



Igor Pantuzza Wildmann
Advogado – Doutor em Direito. Professor universitário.



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