sexta-feira, 15 de abril de 2011


O advogado dirige-se ao cartório de uma vara cível para retirar um alvará. Ao receber o documento, entretanto, observa que só o seu cliente estava autorizado a levantar os valores.

A prudência - diante da grave inadimplência com que a classe tem que conviver e a relevância daquele numerário para sua subsistência - recomendavam ao advogado que ele insistisse para que alvará fosse expedido em seu nome. Peticionou, então, solicitando a expedição de novo alvará.

O juiz negou o pedido, uma vez que, na procuração, não constavam poderes específicos para “receber e dar quitação”, na forma do art. 623 da Consolidação Normativa Judicial.

Intimado da decisão, o advogado dirigiu-se, imediatamente, ao cartório, pois suas procurações sempre traziam tais poderes. Lá chegando, conversou com o escrivão para esclarecer o mal entendido:

– Senhor escrivão, houve um engano na expedição do meu alvará. O juiz disse que, na procuração, não havia poderes para receber e dar quitação. Mas cá estão os poderes, veja. Leia comigo: ´poderes específicos para dar e receber quitação´.

– Mas e onde estão os poderes para ´receber e dar quitação´? – indaga o escrivão.

– O quê? Eu acabei de mostrar-lhe! Está aqui: ´dar e receber quitação´.

– Mas ´dar e receber´ não é a mesma coisa que ´receber e dar´. Nesta vara, o eminente juiz nunca vai lhe autorizar a sacar o dinheiro...

– Mas isso é um absurdo! ´Dar e receber´ não é a mesma coisa que ´receber e dar´? Isso é inaceitável!

– Doutor, lamento, mas a lei diz ´receber e dar´ e não ´dar e receber´. É a norma, doutor. E aqui nesta vara, o juiz cumpre a lei!...

- Santo Cristo! - blasfema o advogado, perplexo.

Não perdeu mais tempo tentando explicar a questão semanticamente, ou as formas de interpretação da norma jurídica. Simplesmente recorreu e, como não poderia deixar de ser, obteve a reversão da decisão.

Depois deste episódio - decepcionado e descrente no Judiciário - o advogado já não era mais o mesmo. O que mais o entristeceu foi que, ao realizar a pesquisa para elaborar o recurso, observou que existe, de fato, discussão jurisprudencial e doutrinária sobre as expressões “receber e dar” e “dar e receber” quitação.

Embora prevaleça o entendimento de que ambas conferem poderes ao advogado para levantar alvará, questionava-se se a origem desta discussão residiria no puro interesse científico - o que seria salutar - ou em uma sádica força nem tão invisível que impele os órgãos do Judiciário a, de alguma forma, obstar o acesso do advogado aos seus honorários.

Fato é que nosso personagem retornou ao cartório para exigir que o alvará fosse refeito. Reconhecido pelo pessoal do cartório, foi novamente interpelado pelo escrivão:

– É doutor... ´receber e dar´, ´dar e receber´... São coisas do idioma português.

E respondeu o advogado, com ironia:

– Coisa de português, sem dúvida...



..............





________________________________________

2 comentários: