quarta-feira, 11 de maio de 2011

Doação Inoficiosa: Acórdão declara a Nulidade de Doação realizada à Igreja Universal do Reino de Deus

» Renata Malta Vilas-Bôas



Em recente decisão da 1ª. Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Distrito Federal, no Processo no. 2007.09.1.022199-3, tendo como apelante a Igreja Universal do Reino de Deus foi decidido que a doação realizada pela apelada é nula.

A apelada, mãe de uma criança portadora de necessidades especiais, doou à Igreja Universal do Reino de Deus um automóvel. Ocorre, porém, que toda e qualquer doação que iremos fazer, é necessário estar em conformidade com a norma jurídica.

O nosso Código Civil apresenta o conceito de doação no art. 538 que nos traz que:

Art. 538 Considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra.

O instituto da doação tem por base a idéia de liberalidade do doador que quer entregar a outra pessoa, determinado bem, que é por este aceito, a título gratuito. Conforme Orlando Gomes “a doação é contrato unilateral, simplesmente consensual e gratuito”.[1]

É considerado unilateral porque somente para o doador é que existem obrigações. É considerado simplesmente consensual porque não requer que a coisa seja entregue, basta que o acordo se realize com a aceitação do donatário. É considerado gratuito haja vista que o donatário aumenta o seu patrimônio sem que haja contrapartida.[2] Acrescenta ainda Carlos Roberto Gonçalves que a doação pode ser formal ou solene, ou seja, ela é formal quando se aperfeiçoa com o acordo de vontades entre o doador e o donatário, e a observância da forma escrita, independentemente assim da necessidade de haver a entrega da coisa, a não ser quando se tratar de doação manual, ou seja, aquelas de bens móveis de pequeno valor em que se aperfeiçoamento depende da tradição desses bem.[3]

Analisando o artigo 538 do Código Civil, Carlos Roberto Gonçalves aponta que desse conceito legal podemos observar os seus traços característicos que são: natureza contratual; animus donandi; transferência de bens para o patrimônio do donatário e aceitação do donatário.[4] Porém, na visão desse doutrinador são dois os elementos peculiares à doação, quais sejam: o animus donandi, que é o elemento subjetivo, ou seja a intenção de praticar uma liberalidade e o elemento objetivo que é a transferência de bens, que tem como consequência a diminuição do patrimônio do doador.

No caso em tela verificamos que preencheu essas características da doação, ou seja, a doadora, ora apelada, por um ato de liberalidade, transferiu um bem para o patrimônio da ora apelante – Igreja Universal do Reino de Deus, que aceitou essa doação.

Apesar de ser um ato de liberalidade, nossa legislação impõem determinadas limitações à essa liberalidade de doar. Assim, a liberalidade concedida pelo legislador não é uma liberalidade ampla, mas sim restrita, assim a norma veda a doação inoficiosa, ou seja a doação de todo o patrimônio do doador Encontramos dois dispositivos legais que restringem essa liberalidade, nos artigos 548 e 549 do Código Civil.

Art. 548 É nula a doação de todos os bens sem reserva da parte, ou renda suficiente para subsistência do doador.

Art. 549 Nula é também a doação quanto à parte que exceder à de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento.

Analisemos esses artigos em separado. Em primeiro lugar, vejamos o artigo 548 que determina que a doação é nula se for de todos os bens sem reserva de parte ou de renda suficiente para subsistência do doador. Conforme Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery a teleologia do dispositivo “visa resguardar o ato de liberalidade das consequências de generosidade excessiva, que podem argüir fraqueza de ânimo. Por isso se estatui que a doação, sem reserva de usufruto ou renda suficiente para subsistência do doador, é nula.”[5] Assim, além dos requisitos para que ocorra a doação é necessário que não caia nas hipóteses vedadas pela norma jurídica.

Pela previsão do artigo em comento logo não é possível a doação universal, ou seja, a doação de todos os bens sem reserva de parte do patrimônio que sirva de subsistência do doador. Tal previsão está em consonância com o art. 1º., III da CF já que visa preservar a dignidade da pessoa humana. Afinal, se houver doação de todos os bens como poderá a pessoa ter uma vida digna ? Irá sobreviver de que forma ? Assim, a análise desse artigo encontra-se em conformidade com a nossa Carta Magna buscando assim, preservar a dignidade da pessoa humana, mesmo quando ela ainda não perceba essa necessidade.

O segundo artigo, art. 549, refere-se quando a doação ultrapassar o limite em que poderia dispor em testamento. E conforme o art. 1.857 do Código Civil, toda pessoa capaz pode dispor, por testamento, da totalidade dos seus bens, ou de parte deles, para depois de sua morte. Porém, o parágrafo primeiro nos traz que a legítima dos herdeiros necessários não poderá ser incluída no testamento. Assim, no caso em tela, sendo o bem doado o único bem da doadora e essa possuindo herdeiro necessário, somente poderia ter doado até o limite da legítima.

No caso sub judice acaba ocorrendo a incidência dos dois artigos, já que em primeiro lugar, a apelada não poderia doar o bem já que não dispunha de nenhum outro, além disso, somente poderia doar até o limite da legítima já que, conforme consta no acórdão, ela possui uma filha.

Ora o negócio jurídico realizado é nulo de pleno direito, devendo ser devolvido o bem doado, voltando a integrar o patrimônio da apelada, conforme decisão judicial.

Para que essa doação pudesse ser considerada válida era necessário que a apelante – Igreja Universal do Reino de Deus comprovasse que a apelada possuía outros bens além daquele doado e que não atingisse a legítima. Porém, conforme demonstra o acórdão prolatado tal fato não ocorreu, já que conforme o Código de Processo Civil, cabe ao réu alegar qualquer fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, em consonância com o art. 333, II do CPC.

Cumpre ressaltar que a doação não foi declarada nula em decorrência de ser uma doação para uma Igreja, mas sim em razão de se tratar de doação inoficiosa o que impede a subsistência da autora ora apelada.


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