segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Repercussão que um anúncio pode causar na vida de uma pessoa

Nº de Ordem:


Processo nº: 058/1.03.0000237-3


Natureza:Indenizatória


Autor:Julio .........................
Réu:Silvia Regina .......


Roseli Teresinha ................


Juiz Prolator:Juiz de Direito - Dr. Gilberto Pinto Fontoura


Data:27/04/2006


Vistos etc.


JÚLIO , brasileiro, casado, médico urologista, residente e domiciliado na Avenida ................ Centro, em Nova Prata/RS, propôs Ação de Indenização por Dano Moral contra SILVIA REGINA e ROSELI TERESINHA, já qualificadas na inicial, aduzindo que, em razão de sua profissão, com especialização em urologia, foi procurado pelo pai das requeridas, em seu consultório, uma vez que estava passando por dificuldades urinárias, tendo diagnosticado que sofria de apendicectomia. Após ser submetido a exames físicos e laboratoriais, com a concordância do pai das requeridas e do irmão, médico cardiologista, foi optado por procedimento cirúrgico.


Após a realização da cirurgia, restou constatado que o pai teve uma fístula próstata-retal, o que não teria relação com o procedimento realizado, o que culminou com o falecimento mais de 03 anos após a cirurgia. Em razão disso, o pai e as requeridas ingressaram com ação contra o ora autor, a qual foi julgada procedente em primeiro grau, momento em que as requeridas veicularam "a pedido" nos jornais de Nova Prata, de Veranópolis e de Caxias do Sul, noticiando a condenação do autor em primeiro grau por erro médico. Referiu que a sentença restou reformada pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.


Mencionou que a atitude das requeridas visou "arrasar a fama" do autor, com o intuito de lhe causar prejuízos imensos, uma vez que teve seu consultório "esvaziado". Postulou a condenação das requeridas ao pagamento de valor a título de dano moral, a ser arbitrado pelo Juízo, culminando por postular a procedência da ação, fls. 02/05. Juntou documentos, fls. 06/82.


Deferido o benefício da Assistência Judiciária Gratuita, foi determinada a citação das requeridas, fl. 83.
Citadas, fl. 85v., apresentaram contestação, alegando, preliminarmente, a decadência, em razão de a ação não ter sido proposta no prazo de 03 meses da publicação do "a pedido". No mérito, referiu não haver qualquer ilicitude na conduta das requeridas, já que amparadas em condenação de 1º Grau. Ponderou que a publicação de notícia verdadeira nos limites do fato, não pode dar margem à indenização por dano moral, fls. 89/93. Juntou documentos, fls. 94/134.


Houve réplica, fls. 136/138, ocasião em que o autor postulou o afastamento da preliminar ventilada na contestação, e, no mérito, reafirmou o pedido deduzido na inicial.


Designada audiência conciliatória, tal fim restou inexitosa, ocasião em que a preliminar de decadência foi afastada, fl. 146, bem como foi determinada a remessa dos autos ao Ministério Público para averiguar possível cometimento de delito de falsidade ideológica por parte do autor, além de ter sido designada audiência de instrução e julgamento.

Em razão do julgamento procedente do incidente de impugnação ao pedido de assistência judiciária gratuita, fls. 183/185, tendo o autor efetuado o recolhimento das custas


processuais.


Durante a instrução do feito, foram inquiridas as testemunhas arroladas pelas partes.


Colhida a prova, foi encerrada a instrução, tendo os debates sidos substituídos por memoriais, que foram tempestivamente apresentados pelo autor, fls. 276/279 e pelas requeridas, fls. 283/291.


Vieram os autos conclusos para sentença.


É O RELATO.
PASSO A DECIDIR.

Cumpre, de imediato, salientar que a preliminar argüida pelas requeridas em sede contestacional foi devidamente apreciada na audiência de tentativa de conciliação, tendo sido afastada naquele momento, não tendo as requeridas manejado qualquer recurso do seu indeferimento.


Desta maneira, desnecessárias maiores considerações.


Assim, não havendo preliminares a serem analisadas, passo diretamente ao mérito da questão.


Cuida-se de pedido de indenização por dano moral formulado pelo autor em face das requeridas, em razão da veiculação de "a pedido" nos jornais Popular e Correio Livre, ambos de Nova Prata; Primeira Hora, de Veranópolis e Pioneiro, de Caxias do Sul, ambos de circulação regional.


Tal veiculação se deu em razão de que, após realização de procedimento médico-cirúrgico, constatou-se o aparecimento de uma fístula próstata-retal, que, segundo a família da autora, teria se originado de erro médico do autor quando da realização do procedimento acordado.


Em razão disso, o pai das requeridas ingressou com ação de indenização em razão do alegado erro médico, a qual restou julgada parcialmente procedente em primeiro grau, cuja sentença foi prolatada pelo eminente Juiz de Direito Roberto Behrensdorf Gomes da Silva.


Logo após a prolação da sentença antes referida, as requeridas, em razão de parcial procedência da demanda, fizeram publicar em dois jornais de Nova Prata, um de Veranópolis e um de Caxias do Sul, "a pedido", informando à população leitora da região serrana que o autor Júlio Romeu Ferreira havia sido condenado por erro médico, em razão do procedimento cirúrgico realizado em seu pai.

Não obstante, a sentença foi alvo de apelação ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado, apresentada pelo autor da presente ação Júlio, a qual, depois de analisada pela Quinta Câmara Cível, tendo ela sido provida, para o fim de julgar procedente a ação cível que havia tido sentença de parcial procedência nesta Comarca.


Este é o fato que culminou com o ingresso da presente ação pelo médico Júlio Romeu Ferreira, que restou vencedor na ação de indenização que era réu, promovida pelo pai das autoras.


Cumpre, agora, analisar o cabimento de indenização por danos morais em razão da veiculação dos "a pedidos" pelas autoras nos jornais desta Região.


É fato incontroverso que os anúncios foram efetivamente publicados pelas requeridas, com a intenção de informar à população da condenação de Júlio Romeu Ferreira por erro médico em 1º Grau.
É consabido por todos a repercussão que um anúncio deste tipo pode causar na vida de uma pessoa. Trata-se de um médico urologista que alega que após o fato ocorrido com a veiculação dos anúncios teve seu consultório esvaziado, o encaminhamento de pacientes cessou, causando-lhe prejuízos irreparáveis, abalo psicológico para si e sua família, o que daria azo a indenização por danos morais pretendidas no presente feito.


Cumpre, desta maneira, analisar a prova a fim de verificar se efetivamente o autor sofreu abalo psicológico e/ou profissional em razão da atitude praticada pelas requeridas com os anúncios.
Em seu depoimento pessoal, o autor referiu que realizou uma operação em Cerilo, pai das requeridas, em razão de uma retenção urinária e o procedimento adequado era o cirúrgico. Após a operação, acabou se formando uma fístula prostato retal, tendo sido retirada à próstata e encaminhada para exame, ocasião em que restou constatado que Cerilo era portador de câncer, sendo que após cerca de um ano Cerilo acabou falecendo.
Em razão disso, Cerilo ingressou com uma ação de indenização contra o depoente, que acabou sendo julgada parcialmente procedente em 1º grau e reformada pelo Tribunal de Justiça, que a julgou totalmente improcedente. Quando do julgamento de primeiro grau, restou veiculado em jornais dando conta de sua condenação por erro médico, salientando que quando de sua absolvição no Tribunal não houveram novas notícias. Referiu que, em solidariedade, a AMRIGS emitiu nota, a qual acabou aumentando ainda mais o problema.


Disse que quando do julgamento pelo Tribunal não restou publicada mais qualquer nota, nem pelo autor nem pelas requeridas. Por fim, argumentou que o fato lhe afetou financeiramente, em razão da queda de clientela, fls. 207/208.


A testemunha Hildebrando informou que já trabalhou com o autor na condição de auxiliar de enfermagem, sendo que já foi paciente do autor em seu consultório particular. Ficou sabendo da condenação do autor em primeiro grau por erro médico, através de um jornal de Nova Prata, bem como não tomou conhecimento do desfecho da ação de indenização. Disse que a divulgação na imprensa da condenação por erro médico era preocupante, uma vez que "a clientela dele se foi". Ouviu comentários que, na época, os pacientes deixaram de se tratar com o autor, por causa das notícias, tendo percebido certo desânimo do autor em razão das notícias de prática de erro médico. Por fim, referiu que acha que Júlio não recompôs sua clientela, na medida que não vê pacientes com o nome dele no hospital, fl. 210.


Eleandra  informou que leu a publicação de uma nota, sendo que tempos depois, em conversa com o autor e sua esposa, percebeu que o autor foi prejudicado com a publicação da nota, bem como que na data dos fatos o autor possuía consultório em Caxias do Sul, não sabendo informar se o fechamento deste se deu em razão das notícias veiculadas no jornal, bem como não fixou sabendo do desfecho do processo envolvendo o autor e o pai das requeridas.


Desta maneira, embora o esforço contestatório, da informação de que a nota publicada foi feita em razão da sentença de 1º Grau, constata-se que efetivamente a foi publicada com o intuito de buscar desmoralizar o autor não só perante a Cidade de Nova Prata, mas sim na Comunidade Regional, na medida em que também referido anúncio foi publicado em Jornais de Veranópolis e de Caxias do Sul, já que Júlio também possuía consultório na última Cidade.


A constatação de que a nota somente publicada para desmoralizar o médico se extrai da própria atitude das requeridas, que apenas publicaram a nota quando do julgamento parcialmente procedente da sentença de primeiro grau. Porque, com o julgamento da apelação e a reforma da decisão, que culminou com o julgamento improcedente da ação intentada pelo pai das requeridas, não houve publicação na imprensa, nos mesmos jornais onde a notícia da condenação foi publicada, do julgamento da ação perante o Tribunal de Justiça?.


É uma assertiva que as requeridas não lograram comprovar. Porque não publicaram informação dando conta do julgamento improcedente da ação, que afastou a ocorrência do erro médico por parte do autor?


Com efeito, em momento algum as requeridas lograram demonstrar a licitude de sua conduta, que foi feita somente com o intuito de informar a população desfecho da ação de 1º Grau.


De mais a mais, o depoimento das testemunhas, acima analisados, bem como os documentos juntados aos autos, comprovam o abalo sofrido pelo autor, profissional liberal da área de saúde, que possuía consultório em Nova Prata e Caxias do Sul, duas das Cidades escolhidas pelas requeridas para publicação do "a pedido", com o nítido intuito causar prejuízos e sofrimentos, de ordem material e moral ao autor. As testemunhas ouvidas referiram do "esvaziamento" do consultório do autor, o que teve como causa a nota impressa nos jornais. Afinal, quem arriscaria entregar sua vida nas mãos de um médico que foi condenado por erro.


Assim, comprovada que a repercussão da notícia causou sérios transtornos de ordem moral ao autor, bem como à sua família, base da sustentação de uma família quando da ocorrência de situações como esta, o que dá azo a pretensão do autor em ser indenizado em danos morais.


Nesse passo, por indiscutível o transtorno ao bom crédito do autor que caracterizado está o dano moral.

A questão agora é definir o valor da indenização pelo abalo.


Doutrinariamente, ao discorrer acerca dos critérios gerais de avaliação do dano extrapatrimonial, Sérgio Severo, in Os Danos Extrapatrimoniais, Editora Saraiva, 1996, pág.207...) dispôs:


"....Configurado o dano extrapatrimonial, cumprirá ao juiz estabelecer o seu perfil, buscando no cenário concreto todos os tipos e avaliando-os segundo critérios objetivos e subjetivos"


...Assim, há uma ampla margem de discricionariedade a cargo do juiz, que ao aplicar a lei deve atender "aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum", na forma do art. 5º da lei de Introdução ao Código Civil.


Notoriamente, vem prosperando entendimento de que o valor sirva como desestímulo a novas práticas ilícitas. A aferição do elemento preventivo-punitivo deve ser objeto de uma avaliação in concreto.


Para quantificar a indenização permito-me reproduzir:


"QUANTIFICAÇÃO DO DANO. Arbitramento pelo magistrado, com base no art. 1553 do CC, levando em consideração tanto o caráter compensatório como o caráter inibitório-punitivo da indenização. Fixação desta a partir do interesse-tipo ferido e da produção doutrinária e jurisprudencial, mediante critérios aí estabelecidos, tanto relativos às partes e circunstâncias do fato, como tendo por parâmetros condenações em casos assemelhados, dentro do bom senso e da razoabilidade. Apelação provida. (AC nº70004485363, Rel. Desa. Rejane Maria Dias de Castro Bins


No corpo do acórdão, consta:


"Este órgão fracionário tem deferido indenizações para hipóteses em que ocorre o cadastramento do consumidor, entre cinqüenta e cem salários mínimos. Considerando a duração das inscrições, os aborrecimentos advenientes da inscrição e o valor pequeno do cheque que foi devolvido, fixo o valor da indenização em cinqüenta salários mínimos nacionais para cada apelante, com correção pelo IGP-M a contar desta data e juros de mora de 6% ao ano, desde a data da inscrição.


Como se vê, por inexistentes parâmetros legais para o arbitramento do valor da reparação do dano moral, a sua fixação se faz mediante arbitramento, nos termos do art. 1.553 do CC. No caso, tenho como razoável, a fixação da indenização no valor de 400 salários mínimos nacionais vigentes na data de hoje, o que importa em R$ 140.000,00.


FACE AO EXPOSTO, julgo procedente a ação de indenização por danos morais proposta por JÚLIO ..... contra as requeridas SÍLVIA REGINA e ROSELI TERESINHA, para condená-las ao pagamento ao autor da quantia de R$ 140.000,00, devidamente corrigida monetariamente pelo IGP-M e juros legais a contar desta data, até a data do efetivo pagamento.


Condeno os requeridos ao pagamento das custas processuais, bem como os honorários do patrono do autor, que fixo em 20% do valor da condenação, considerando a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo procurador do requerido, bem como o tempo exigido para a causa, nos termos do artigo 20 do Código de Processo Civil.


Publique-se.
Registre-se.
Intimem-se.
Nova Prata, 27 de abril de 2006.


Gilberto Pinto Fontoura,
Juiz de Direito







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