quarta-feira, 20 de outubro de 2010

"Todos Somos Responsáveis de Tudo ante Todos”

Dostoievski

• Os novos inventos, a intensidade da vida e a intensidade das populações aproximam cada vez mais os homens, intensificando suas relações, o que acarreta um aumento vertiginoso de motivos para a colisão de direitos e os artigos de interesses, do que sugere a reação social contra a ação lesiva, de modo que a responsabilidade civil tornou-se uma concepção social quando antes tinha caráter individual (cf. José de Aguiar Dias, Da responsabilidade civil, 6. Ed., Rio de Janeiro, Forense, 1979, v. 1, p. 13).

• Embora a doutrina não seja uniforme na conceituação da responsabilidade civil, é unânime na afirmação de que este instituto jurídico firma-se no dever de “reparo de dano”, explicando-o por meio de seu resultado, já que a idéia de reparação tem a maior amplitude do que a de ato ilícito, por conter hipóteses de ressarcimento de prejuízo sem que se cogite da ilicitude da ação (v. Caio Mário da Silva Pereira, Responsabilidade civil, 9. Ed., Rio de Janeiro, Forense, 1998, p. 7-11).

• Foi assim que a teoria da responsabilidade da responsabilidade civil evoluiu de um conceito em que se exigia a existência de culpa para a noção de responsabilidade civil sem culpa, fundamentada no risco. Os perigos advindos da vida moderna, a multiplicidade de acidentes e a crescente impossibilidade de provar a causa dos sinistros e a culpa do autor do ato ilícito acarretaram o surgimento da teoria do risco ou da responsabilidade objetiva, a demonstrar que o Direito é “uma ciência nascida e feita para disciplinar a própria vida” (cf. Alvino Lima, Culpa e risco, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1960, p. 15-7).

• Na atualidade, a teoria da responsabilidade civil, mesmo que conserve seu nomen júris, transcendeu os limites da culpa e “trata-se, com efeito, de reparação de dano” (cf. José de Aguiar Dias, Da responsabilidade civil, cit., p.16).

• A teoria subjetiva ou teoria da culpa continua a fundamentar, como regra geral, mas, em face das dificuldades inerentes à sua prova, o novo Código adota, diante de previsão legal expressa ou de risco na atividade do agente, a teoria objetiva ou teoria do risco no dispositivo em tela (art. 927).

• Na teoria do risco não se cogita da intenção ou do modo de atuação do agente, mas apenas da relação de casualidade entre a ação lesiva e o dano (v. Carlos Alberto Bittar, Responsabilidade civil nas atividades nucleares, Revista dos Tribunais, 1985). Assim enquanto na responsabilidade subjetiva, embasada na culpa, examina-se o conteúdo da vontade presente na ação, se dolosa ou culposa, tal exame não é feito na responsabilidade objetiva, fundamentada no risco, na qual basta a existência do nexo causal entre a ação ao dano, porque, de antemão, aquela ação ou atividade, por si só, é considerada potencialmente perigosa.

• Existem várias teorias sobre o risco: o risco integral, em que qualquer fato deve obrigar o agente a reparar o dano, bastando a existência de dano ligado a um fato para que surja o direito à indenização; a teoria do risco proveito, baseada na idéia de que quem tira proveito ou vantagem de uma atividade e causa dano a outrem tem o dever de repará-lo – ubi emolumentum, ibi onus: a teoria dos atos normais e anormais, medidos pelos padrões médios da sociedade. No entanto, a teoria que melhor explica a responsabilidade objetiva é a do risco criado, adotada pelo novo Código Civil, pela qual o dever de reparar o dano surge da atividade normalmente exercida pelo agente, que cria risco a direitos ou interesses alheios. Nesta teoria não se cogita de proveito ou vantagem para aquele que exerce a atividade em si mesma que é potencialmente geradora de risco a terceiros (v. Caio Mário da Silva Pereira, Responsabilidade civil, cit., p. 284 e 285). Como se verifica na teoria do risco criado, a responsabilidade civil é realmente objetiva, por prescindir de qualquer elemento subjetivo, de qualquer fator anímico; basta a ocorrência de dano ligado casualmente a uma atividade geradora de risco, normalmente exercida pelo agente. Embora a teoria do risco tenha galgado espaço em face da introdução de atividades perigosas na sociedade, sendo ditada por leis especiais, a teoria subjetiva ou da culpa ainda é o grande “fundo animador” da responsabilidade civil em nosso ordenamento jurídico (v. Maria Helena Diniz, Curso de direito civil brasileiro, 7. Ed., São Paulo, Saraiva, 1993, v.7, p. 32 e 33).

• No direito positivo, a subsistência da teoria da culpa é uma realidade, com a qual deve coexistir a teoria do risco, aplicada esta última nas hipóteses em que a desigualdade econômica ou social entre o agente e a vítima traz a necessidade de abolir qualquer indagação sobre a subjetividade do lesante. Ressalta-se que não há razão para que um conceito exclua o outro: a culpa e o risco se completam, na busca de seu objetivo comum: a reparação do dano.

• O novo Código Civil, ao regular a responsabilidade civil, alarga a aplicação da responsabilidade objetiva, com a adoção da teoria do risco criado, mas mantém o sistema vigente de que é a responsabilidade subjetiva. Remissão deve ser feita aos arts. 185 e 186 do novo Código: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”, e “Comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestadamente os limites impostos pelo seu fim econômico, social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.

• Pode-se concluir que o dever de reparar surge em regra geral, de atos ilícitos, diante dos quais é necessária a demonstração da culpa, em sentido lato do lesante, e, em caráter excepcional, por força de disposição legal expressa ou de risco na atividade do agente, de atos lícitos, os quais geram aquele dever com base no fato de o agente ter colocado em ação forças que são fontes de perigo e de potenciais danos para outrem.

Art. 932. Responsabilidade Civil indireta.
• O ato ilícito pode ser praticado pelo próprio imputado ou a ação ofensiva pode ser praticada por terceiro que esteja sob sua esfera jurídica. Se o ato é praticado pelo próprio imputado, a responsabilidade civil classifica-se como direta. Se o ato é praticado por terceiro, ligado ao imputado, sendo que essa ligação deve constar da lei, a responsabilidade é indireta. Tal responsabilidade existe porque a antijuricidade da conduta, por si só, ou seja, a responsabilidade direta, não satisfaz o anseio de justiça – dar a cada um o que é seu. Há vezes em que para haver justiça faz-se necessário ir além da pessoa causadora do dano e alcançar outra pessoa, a quem o próprio agente esteja vinculado por uma relação jurídica. Assim há responsabilidade indireta quando alguém é chamado pela lei para responder pelas conseqüências de fato de terceiro, expressão que também se utiliza na responsabilidade pelo fato provocado por animal ou coisa, com o qual o responsável está ligado juridicamente.

• A interpretação da lei na responsabilidade civil indireta é sempre restritiva, não podendo ir além dos casos explicitamente previstos em lei

• A origem da responsabilidade indireta tem raízes nos agrupamentos sociais primitivos, que absorviam a individualidade de seus membros e consideravam-se responsáveis pelos delitos praticados por eles. Observe-se que o direito romano não desenvolveu essa idéia, atendo-se ao conceito da responsabilidade direta.

• É relevante mencionar que o artigo em análise (932) estabelece que são também responsáveis as pessoas antes referidas, de modo que os agentes propriamente ditos, especialmente se tiverem patrimônio, responderão igualmente pelos danos causados por seus atos, como forma de responsabilidade solidária, nos termos do art. 942, parágrafo único.

• Na responsabilidade civil indireta, em razão do disposto no art. 933, foi adotada a responsabilidade objetiva, que independe de culpa.

• Se o ato lesivo é praticado por pessoa jurídica, deve-se distinguir se o foi por meio de representante (legal ou estatutário) ou de empregado (pessoa a seu serviço). No primeiro caso, a empresa responde, sem que tenha de fazer qualquer indagação. No segundo caso, para que a pessoa jurídica seja responsabilizada é preciso que o agente tenha praticado o ato ilícito no exercício de suas funções, na conformidade do inciso III deste dispositivo, cabendo sempre o direito de regresso contra o efetivo causador do dano (v. Carlos Alberto Bittar, Responsabilidade civil: teoria e prática, Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1989, p. 10). Desse modo, tratando-se de pessoa jurídica, deve-se primeiramente verificar, concretamente, a espécie de empresa e a condição do agente, isto é, se age em nome da entidade ou a seu serviço.

• Ainda sobre a espécie de pessoa jurídica, as disposições legais respectivas costumam como aquelas sobre sociedades anônimas e sociedades comerciais limitadas, estabelecer regramento próprio acerca da responsabilidade civil, seja da empresa, seja do administrador, etc. Essas normas devem sempre ser respeitadas no caso concreto, aplicando-se, quando necessário, as normas comuns. No entanto o princípio que impera é o da responsabilização da pessoa jurídica quanto aos atos praticados em sua atividade, em face da sua natureza jurídica de ente de direito.

• Já era discutível, na legislação anterior, a responsabilidade dos hotéis diante do aviso de que não se responsabilizam por objetos dos hóspedes não depositados em seu poder, como cláusula de não indenizar, porque revestida da forma de imposição (v. Caio Mário da Silva Pereira, Responsabilidade civil, 9. Ed., Rio de Janeiro, Forense, 1998, p. 305 e 306): com o disposto no art. 933, tais debates deverão ser retomados, com maior ênfase à invalidade desse tipo de cláusula. Quanto aos cofres existentes em hotéis, firmou-se, no direito anterior, a opinião de que não se trata de contrato de depósito, por analogia aos cofres bancários tratando-se de contrato de aluguel ou comodato, em que o hotel deveria responder pelos danos causados somente se provado que não agiu com a vigilância necessária quanto ao ingresso de terceiros em suas dependências (v. Caio Mário da Silva Pereira, Responsabilidade civil, cit., p. 97 e 98), mas também essa matéria merecerá a devida revisão em face do disposto no art. 933 deste Código.

• Quanto aos estabelecimentos de ensino no que se refere aos educandos, essa responsabilidade ampla existe se o regime for de internato. Se o regime escolar for de externato, a responsabilidade do estabelecimento de ensino restringe-se ao período em que o educando estiver matriculado (v. Caio Mário da Silva Pereira, Responsabilidade civil, cit., p. 98 e 99).

Colaboração: Prof. Clayton Reis

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