terça-feira, 2 de março de 2010

Possui o franqueado legitimidade para postular a falência do franqueador, em decorrência de falta de pagamento de mercadorias?
A questão é relevante, mas pouco debatida nos tribunais.
Em uma primeira visão, poderíamos afirmar que o contrato de franchising envolvendo as partes litigantes não seria o nó górdio da questão, nem tampouco poderia impedir a quebra postulada pelo franqueador, uma vez que o que se estaria questionando seria o contrato de compra e venda mercantil que originou o débito e não o mencionado contrato de franchising.
Interessante acórdão (nº 70002034247 da 5ª Câmara Cível do TJ/RS) discutiu o assunto com pontos de vista divergentes. Um parecer da lavra do Desembargador Sérgio Pilla Da Silva no processo norteia a questão no sentido de que por mais complexa a relação entre franqueador e franqueado, é curial que se distinga qual a relação que enseja o pedido falimentar.
Neste raciocínio, não estaria em jogo o contrato de franquia, mas uma relação decorrente da franquia, que até poderia não existir, uma relação de compra e venda de mercadorias. Embasa o fundamento no fato de que o franqueador forneceu mercadorias ao franqueado com a comprovação do recebimento e da ausência de objeção, sendo os títulos, portanto, líquidos certos e exigíveis no prazo avançado, portanto, passíveis de protesto.
Em outro passo, se a lei de franquia, determina que a dissolução da empresa franqueada somente ocorra com a resolução do contrato, indiretamente ela veio a ocorrer com o decreto de falência, porque a falência do franqueado é uma das causas para a rescisão da franquia.
Diz o ilustre Desembargador, “que esse aspecto não é impeditivo de que o franqueador se utilize da normatividade do Decreto-Lei nº 7.661, como não impediria inclusive a execução singular, seja por débito, nota promissória, cheque, duplicata ou letra de câmbio”.
Assim sendo é seu de seu parecer a inexistência de óbice para tal postulação, que pleiteie a franqueadora a falência do franqueado, assim como qualquer outra empresa ou particular poderia também buscar a quebra com base no permissivo do art. 1º ou até do art. 2º da Lei Falitária.
Em outro passo, no mesmo acórdão, porém com voto vencido o Des. Marco Aurélio dos Santos Caminha, perfilha outras margens e aduz que é impossível o franqueador pedir a falência do franqueado porque, em última análise, o franqueado é um longa manus do franqueador, uma espécie de filial.
Portanto, mesmo ante a existência de um título extrajudicial que possibilita um pedido de falência, a relação jurídica que vincula as partes não permite a execução.
A Lei e a doutrina tratam da possibilidade de falência de ambos, mas não da falência do franqueado pedida pelo franqueador.
Muitas teorias existem sobre a natureza jurídica desse “contrato tipo”, alguns o entendem até mesmo como contrato de trabalho, de cooperação entre empresas, de adesão, atípico, etc. Mas o fato é que ele é um contrato consensual, bilateral, comutativo, formal, intuitu personae e de trato sucessivo, pelo qual, conforme cita Lemke (op. cit P. 8) um franqueador cede ao franqueado o direito ao uso de marca ou patente, associado ao direito de uso de tecnologia de implantação e administração de negócio detido pelo franqueador, eventualmente cumulado com o direito de distribuição de produtos e serviços, com exclusividade dentro de uma área geográfica predeterminada, mediante uma remuneração, com autonomia relativa para o franqueado.
Citando Jorge Lobo, afirma o Desembargador, que o contrato de franchising “caracteriza-se, ainda, pela autonomia entre franqueador e franqueado e pelo espírito de cooperação entre ambos”.
Ao revés, na linha da negativa de permissibilidade em função da Lei 8955/ 94, que diz que os contratos de franquia se extinguem por resolução, entende o ilustre desembargador que o pedido seja juridicamente impossível, tendo em vista que se a finalidade dos dois é a mútua cooperação, seria abusivo de parte do franqueador protestar o título emitido pelo franqueado e com base neste protesto pedir sua falência, vedando que ela prossiga na atividade comercial.
Então, nesta ótica, se o franqueador tem a intenção de resolver o contrato, tem o caminho legal determinado pela Lei, qual seja o de rescindi-lo, conforme está previsto, sob os argumentos que tiver, mas jamais apenar o franqueado com uma falência, vedando que ele prossiga na atividade comercial.
Ao que parece, busca tal assertiva na finalidade última do contrato de franchising que é a de mediante cooperação mútua na distribuição do objeto da franquia, com obrigações delineadas e discriminadas no contrato e no Manual de Franquia, atingirem um objetivo comum. Se a finalidade dos dois é a mútua cooperação, seria abusivo de parte do franqueador protestar o título emitido pelo franqueado e com base neste protesto pedir sua falência.
A questão é controvertida, posto que perfilham entendimentos diversos, contudo lastreados em fortes argumentos, porém, sendo o franqueado um contratante independente, pessoa jurídica diversa do franqueador, nada pode ser interpretado de modo a criar ou implicar um relacionamento fiduciário entre as partes, ou a tornar uma das partes agente geral ou específico, representante legal, subsidiário, associado em joint venture ou empregado da outra.
Ou ainda, ante a vedação inerente a todos os contratos de franchising onde o franqueado não está de modo algum autorizado a fazer contratos, acordos, garantias ou representações, nem de criar quaisquer obrigações, expressas ou implícitas, em nome do franqueador. Além do que, o franqueado é responsável pelos seus próprios impostos, inclusive por quaisquer impostos incidentes sobre o estabelecimento sem qualquer limite. Assim, a interpretação mais plausível é a de que o instituto da falência pode ser aplicado ao caso, pois de fato, neste raciocínio, não estaria em jogo o contrato de franquia, mas uma relação decorrente da franquia.

Geraldo Doni Júnior – 05 de janeiro de 2010.

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